Título: FMI anticíclico
Autor: Ilan Goldfajn
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/02/2008, Espaço Aberto, p. A2

A recente sugestão do diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Dominique Strauss-Kahn, para que os governos dos países ricos (G-7) gastem mais (e/ou cobrem menos impostos) é um sinal dos tempos. O medo de uma recessão se está infiltrando nas instituições internacionais. Lembro bem das minhas experiências com programas do FMI. Primeiro foi na Ásia, durante a crise, como parte da missão do FMI. Depois, na minha passagem pelo Banco Central (BC), quando o Brasil negociava um programa com o FMI. Uma parte essencial das negociações sempre foi o rigor fiscal. Mesmo que no final concluíssem que não era necessário, como em alguns países da Ásia em 1997/1998. Esse medo de recessão justifica a adoção agora de políticas fiscais mais frouxas? Quais são os benefícios e as limitações desse tipo de política? E o Brasil, precisa e/ou pode usar esse instrumento da mesma forma?

O FMI costuma recomendar rigor fiscal nos seus programas. A razão é que normalmente os países recorrem ao FMI quando estão com problemas no seu balanço de pagamentos, o que decorre, em vários casos, de um excesso de gastos do governo (os chamados déficits gêmeos). O programa-padrão do FMI é desenhado para combater esse estado de crise, ou seja, a falta de divisas. O papel do FMI é emprestar os recursos necessários, mas a contrapartida é o desenho e a implementação de um programa que leve a economia a se recuperar e a obter as divisas necessárias, inclusive para pagar o empréstimo do FMI em poucos anos. Um ponto comum na maioria dos programas é a implementação de uma melhora nas contas fiscais de forma a, por um lado, remover o eventual excesso de demanda e, com isso, economizar divisas para o país (menos importações, mais exportações) e, por outro, ajudar a recuperar a confiança na economia e trazer de volta os fluxos de capital e o financiamento privado (e não público, como do FMI). É claro que, se a crise do balanço de pagamentos ocorrer num país com contas fiscais em ordem, o diagnóstico e o programa devem ser distintos (na crise da Ásia houve dificuldade inicial do FMI para adaptar seu programa a outra realidade).

Mas as considerações atuais são outras. O foco está no uso das contas públicas para amortecer uma desaceleração forte do nível de atividade. De uma forma geral, o debate é sobre o uso de uma política fiscal anticíclica, ou seja, gerar superávits nos períodos de crescimento acelerado (vacas gordas) e permitir déficits nos períodos de desaceleração (vacas magras).

O governo americano já anunciou no mês passado um pacote de US$ 150 bilhões de incentivos fiscais para amortecer a desaceleração do nível de atividade. O diretor-gerente do FMI sugere que outros países desenvolvidos sigam o mesmo exemplo. Outros são contra, como o presidente do Banco Central Europeu (BCE).

A idéia de suavizar o ciclo econômico é tentadora, uma política fiscal que contribua para um crescimento econômico menos volátil é desejável. Mas várias questões são relevantes. Primeiro, alguns economistas argumentam que as autoridades deveriam deixar a economia desacelerar de forma a permitir o ajuste (salutar) do excesso de consumo nos EUA. Segundo, alguns países não teriam o espaço suficiente nas contas para afrouxar sua política fiscal, já que sua dívida ou seu déficit são elevados. Países com dívida pública muito alta podem gerar dúvidas sobre sua sustentabilidade, se aumentarem ainda mais. Parece mais apropriado começar a implementar uma política fiscal anticíclica na época de vacas gordas, poupando e reduzindo a dívida nos momentos de crescimento acelerado, para usar os recursos no momento de necessidade. Seria temerário piorar as contas públicas quando as condições iniciais já são ruins. Terceiro, mesmo que haja espaço nas contas públicas, nem sempre o uso da política fiscal é recomendável por ser um instrumento de pouca sintonia fina. Muitas vezes o efeito dos benefícios fiscais ocorre após a recessão, quando a economia já está se recuperando em razão, por exemplo, de um lento processo de aprovação. Outras vezes, o impacto é menor que o desejado, pois o consumidor pode poupar uma parte dos benefícios ao invés de gastar, como era pretendido. Quarto, uma política fiscal anticíclica pode acabar sendo assimétrica, só implementada nos momentos de vacas magras (dos gastos maiores), sem a contrapartida nos momentos de vacas gordas (de maior arrecadação).

Nesse caso específico, por que será que o FMI está recomendando o uso de uma política anticíclica para os países desenvolvidos este ano? Está claro que o FMI está convencido de que a crise financeira está gerando um aperto de crédito com o potencial de gerar uma desaceleração muito forte (ou recessão) nos países desenvolvidos e acha que vale a pena usar mais um instrumento para evitar esse cenário, por mais imperfeito que seja. Além disso, o FMI deve estar convencido de que a situação fiscal nos países desenvolvidos permite um afrouxamento temporário. Na Europa, a situação fiscal de fato melhorou nos últimos anos, mas está longe de ser brilhante.

E, no Brasil, vale a pena adotar uma política fiscal anticíclica? A princípio, a busca de uma política fiscal eficiente é recomendável. Mas se deve ter cuidado. Para começar, a direção atual de uma política fiscal por aqui é a inversa da recomendada pelo FMI. Enquanto lá se fala em recessão, por aqui a preocupação é com o excesso e a inflação. No ciclo do Brasil, o momento agora é de poupar, não gastar, de economizar o excesso de arrecadação, controlando os gastos e gerando um superávit primário maior. Mas isso tem sido um problema. Já faz anos que o Brasil não consegue controlar o crescimento dos seus gastos. Estamos longe de uma política fiscal anticíclica.

Ilan Goldfajn, sócio-diretor da Ciano Investimentos, diretor do Iepe da Casa das Garças, é professor da PUC. E-mail: igoldfajn@cianoinvest.com.br

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