Título: Reconhecimento de Kosovo abre nova disputa e divide potências
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Fonte: O Estado de São Paulo, 19/02/2008, Internacional, p. A10

Sérvia retira embaixador em Washington, após anúncio de apoio de Bush a Pristina; Brasil ainda estuda caso

AP, AFP e GABRIELLA DORLHIAC

Pristina - A República de Kosovo, ex-província sérvia que se declarou independente no domingo, deu ontem seu primeiro grande passo para consolidar-se como o mais novo Estado do mundo, ao receber o reconhecimento de cinco grandes potências mundiais: EUA, França, Alemanha, Itália e Grã-Bretanha. Vários outros países da União Européia já manifestaram intenção de reconhecer o novo país. Do lado sérvio, o primeiro dia de independência de Kosovo, território de maioria albanesa, foi marcado por protestos.

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¿Os kosovares são agora independentes¿, disse ontem o presidente americano, George W. Bush, em visita à Tanzânia. A Sérvia, que disse no domingo que Bush ficará marcado como inimigo do país, anunciou ontem a retirada de seu embaixador nos EUA. ¿O apoio americano à independência de Kosovo mostra a verdadeira face dos EUA¿, disse o primeiro-ministro Vojislav Kostunica.

O chanceler brasileiro, Celso Amorim, disse ontem que o reconhecimento de Kosovo ¿é um tema muito complexo¿. ¿Será preciso estudar as implicações legais, pois isso pode valer para outros países.¿

O reconhecimento do novo país divide a comunidade internacional. Num claro indício de falta de consenso e divisão do bloco, a UE liberou seus membros para que decidam individualmente a relação com Kosovo. A Espanha, que tenta conter uma série de movimentos separatistas em seu território, já anunciou que não reconhecerá o novo Estado.

A principal surpresa de ontem, no entanto, foi o reconhecimento de Kosovo como Estado soberano por parte da Turquia, que há décadas trava um confronto violento com separatistas curdos. O governo turco afirmou que o reconhecimento tem como base ¿os laços históricos e culturais que unem a Turquia a Kosovo¿.

PROTESTOS E RETALIAÇÃO

No enclave servo-kosovar de Mitrovica e em Belgrado milhares de sérvios saíram às ruas para protestar contra a separação do território. Pelo segundo dia consecutivo, a polícia de Mitrovica relatou uma explosão perto de prédios da ONU. O incidente não deixou feridos.

O governo de Belgrado anunciou ontem ter apresentado uma denúncia penal contra o presidente kosovar, Fatmir Sedju, o premiê, Hashim Thaci, e o presidente do Parlamento, Jakup Krasniqi, por terem ¿organizado a proclamação de um Estado falso em território da Sérvia¿. Além disso, o chanceler sérvio, Vuk Jeremic, disse que o país bloqueará o acesso de Kosovo a organizações internacionais. ¿Esse chamado Estado de Kosovo nunca fará parte da ONU¿, alertou Jeremic.

Contando com o apoio da Rússia, tradicional aliada de Belgrado, a ameaça de Jeremic deve se concretizar. Membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, a Rússia vetará o reconhecimento de Kosovo.

Belgrado, por sua vez, vetará a entrada do território na Organização para Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) e no Conselho da Europa.

Analistas afirmam que o novo Estado corre o risco de ficar num limbo legal. ¿Sem uma resolução clara das Nações Unidas, a situação fica muito mais complicada¿, disse ao Estado o especialista em Europa do centro de estudos americano Council on Foreign Relations, Charles Kupchan. Para ele, a esperança para Kosovo é que, em longo prazo, com o reconhecimento de vários países, o novo status do território se torne fato consumado.

NOVO ESTADO

População: 2 milhões de habitantes, dos quais 90% são de origem albanesa e 5% de origem sérvia. Cerca de 65% dos kosovares têm menos de 35 anos

Estrutura política: O Parlamento tem 120 cadeiras - das quais 10 são para representantes sérvios e 10 para outras minorias

Economia: Cerca de 45% da população economicamente ativa está desempregada e 37% dos kosovares vivem abaixo da linha da pobreza. O novo Estado tem reservas de zinco, níquel, cromo e ouro

Símbolos nacionais: A bandeira tem fundo azul, com um mapa do território kosovar em amarelo, abaixo de seis estrelas brancas que simbolizam suas diferentes etnias. O hino nacional ainda não foi escolhido

INDEPENDÊNCIA

Afeganistão:

Endossou a criação do novo país por ser alinhado com a política do governo dos EUA, que aprova a independência de Kosovo

Albânia:

Apoiando a maioria albanesa de Kosovo, prometeu até ajudar a economia kosovar, abrindo os portos do Mar Adriático

Alemanha:

Por ser um dos países na liderança da Otan, que interveio para barrar a repressão de Slobodan Milosevic contra os separatistas albaneses

Grã-Bretanha:

Por também ser membro da Otan e acreditar que a estabilidade nos Bálcãs só pode ser obtida se a vontade dos kosovares for respeitada

França:

Reconheceu a nova nação logo após a UE autorizar seus integrantes a adotar a posição que quiserem sobre Kosovo

Itália:

Acatou a independência, porém quer que Kosovo fique sob supervisão internacional

Turquia:

Por ter laços históricos com os albaneses e pelo fato de ser um país muçulmano, assim como a maioria dos kosovares. No entanto, o reconhecimento foi visto com surpresa, pois também tem problemas com a minoria separatista curda

EUA:

Há anos apóiam a independência kosovar e ontem afirmaram que Kosovo é agora uma nação soberana

Sérvia:

Prometeu resistir pacificamente à independência de Kosovo

Espanha:

Também teme que a independência de Kosovo sirva de inspiração para os movimentos separatistas espanhóis

Romênia:

Preocupa-se com os grupos separatistas na Província da Transilvânia, onde há muitos húngaros.

Outro membros da UE:

Chipre, Grécia, Eslováquia e Bulgária estão preocupados com a reação de suas minorias

Rússia:

É aliada histórica dos sérvios e tem problemas separatistas na Chechênia

China: Pediu que Kosovo e Sérvia sigam negociando

Geórgia: Está de olho em suas províncias separatistas, que são aliadas da Rússia

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