Título: Acordo automotivo volta a ser discutido
Autor: Silva, Cleide
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/03/2008, Economia, p. B6

Brasil quer livre comércio de carros, o que os argentinos não aceitam

Cleide Silva

Representantes dos governos e da indústria automobilística brasileira e argentina se reúnem hoje, em São Paulo, para discutir um novo acordo automotivo. O fato de os dois mercados estarem em crescimento - e ambos atraírem investimentos no setor - não significa que a negociação será mais fácil desta vez. Do lado brasileiro, os negociadores se preparam para mais um embate, que vai se somar ao do trigo e do gás.

O Brasil vai insistir no livre comércio de carros e o governo argentino não vai aceitar. Os brasileiros, que nas discussões anteriores sempre cederam, devem brigar por um acordo de prazo mais longo, de pelo menos cinco anos. O atual, acertado em 2006, vence em junho.

'Partida de futebol e negociação de acordo automotivo são sempre complicadas entre Brasil e Argentina', define o diretor de assuntos institucionais da Ford do Brasil, Rogelio Golfarb. 'O setor é muito sensível para as duas economias', diz o executivo, que dirigia a associação das montadoras brasileiras, a Anfavea, há dois anos, quando o atual acordo foi feito.

O acerto em vigor estabelece que, para cada US$ 1,95 exportado em veículos e peças, o Brasil tem de importar US$ 1. Como já é consenso entre os brasileiros que o livre comércio será mais uma vez rechaçado, restará a briga pela maior flexibilização desse flex, como é chamado o sistema de cotas, e um acordo mais duradouro. A missão dos brasileiros que participam das negociações é tentar expandir o flex. A dos argentinos é apertar mais.

A situação dos dois países hoje é diferente. O Brasil segue como superavitário nas relações comerciais, mas vem reduzindo seu saldo. O País encerrou 2006 com superávit de US$ 806 milhões na balança bilateral, saldo que baixou 48% no ano passado, para US$ 418,5 milhões. Em quantidade de veículos exportados, a diferença caiu de 126,5 mil em 2006 para 81,7 mil unidades no ano passado (ver quadro).

O presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Jackson Schneider, diz que o setor precisa de previsibilidade para investir no longo prazo. A liberalização do intercâmbio comercial, diz, 'é uma necessidade para se consolidar o processo de integração do Mercosul'. Schneider lembra ainda que a Argentina já tem acordos de livre comércio com México e Chile, assim como o Brasil tem com o México.

Argentina e Brasil discutem o assunto desde 1999. As partes chegaram a acertar a liberalização a partir de 2005, mas, às vésperas de entrar em vigor, os argentinos recuaram. Desde então não houve consenso. A Argentina, que antes reclamava da falta de aportes, vai receber até 2011 cerca de US$ 3,5 bilhões em investimentos das montadoras, segundo Fernando Rodriguez Canedo, diretor-executivo da Adefa, a associação das empresas locais.

A Honda, que no ano passado exportou 10,3 mil veículos feitos no Brasil e não trouxe nada daquele país, anunciou a construção de uma fábrica para 2009. A Fiat retomou a linha de montagem este ano para produzir o modelo Siena. Já um projeto entre a Fiat e a indiana Tata para a produção de picapes na Argentina está congelado.

AUTOPEÇAS

Canedo diz que o governo argentino quer um período de transição antes do livre comércio, para equilibrar sua balança comercial, especialmente nas autopeças. 'O importante é que se estabeleça uma data de quando se vai alcançar o livre comércio e que se faça da forma mais rápida possível.' Segundo ele, as montadoras argentinas devem propor o livre comércio para daqui a três anos. 'Seriam três anos de transição, com comércio administrado, e, a partir de 2011, o livre comércio.'

O setor de autopeças deve gerar um dos principais impasses nas negociações. No ano passado, pela primeira vez, a Argentina foi a maior cliente das fabricantes brasileiras, ultrapassando os Estados Unidos, por anos o principal consumidor do produto nacional. Os brasileiros exportaram US$ 2,17 bilhões em componentes para o país vizinho e compraram US$ 1,02 bilhão, ficando com saldo de US$ 1,15 bilhão. Para os EUA foram vendidos US$ 1,97 bilhão, com um saldo de R$ 707 milhões.

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