Título: Governo quer mudar MPs
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Fonte: O Estado de São Paulo, 04/03/2008, Notas & Informações, p. A3

Sob a alegação de que as regras em vigor para aprovação das medidas provisórias (MPs) travam a pauta do Legislativo, deixando o Executivo exposto às chantagens de parlamentares a cada votação importante, o governo quer mudar o prazo de validade e o rito de tramitação desse instituto jurídico. O presidente Lula tocou no assunto em recente jantar com a bancada do PMDB. Ele reclamou das 'faturas' que tem sido obrigado a pagar à base aliada, movida a cargos e emendas, mas não deixou claro o que pretende fazer.

No Ministério da Justiça, que acaba de realizar uma consulta formal à OAB, a idéia é ampliar o prazo de vigência da MP de 120 para 180 dias. Na Casa Civil, defende-se um prazo de validade ainda maior, de 240 dias. Na Câmara, o presidente Arlindo Chinaglia (PT-SP) criou uma comissão para estudar a matéria e o deputado José Eduardo Martins Cardozo, secretário-geral do PT, já apresentou um projeto de ampliação da vigência da MP nos mesmos moldes da proposta do Ministério da Justiça.

Criado pela Constituição de 88 com o objetivo de substituir o antigo decreto-lei, considerado uma 'excrescência autoritária' nos meios políticos e jurídicos, o instituto da MP tem sido tema de grandes discussões no Congresso e no Supremo Tribunal Federal. Inspirada no sistema político italiano, a figura da MP foi concebida quando a Constituinte, no início de seu funcionamento, se inclinava para o regime parlamentarista. Apesar do prevalecimento do sistema presidencialista, ela foi mantida sob a justificativa de que o Executivo necessitava de um instrumento para enfrentar 'situações de relevância e urgência'.

Da maneira como foi aprovada pela Constituinte, a MP tinha validade de apenas 30 dias, podendo ser reeditada indefinidamente, enquanto não fosse votada pelo Congresso. Em seus dois mandatos, o presidente Fernando Henrique reeditou por mais de quatro anos consecutivos a MP que implantou o Plano Real. Mais ilustrativo ainda é o caso da MP que introduziu o Código Florestal. Ela foi reeditada 67 vezes - o equivalente a cinco anos e sete meses.

Por isso, juristas, parlamentares e magistrados passaram a criticar o instituto da MP, alegando que permite ao Poder Executivo 'usurpar tarefas típicas do Legislativo'. Além disso, os três governos posteriores à promulgação da Constituição de 88 valeram-se de MPs para legislar sobre as mais variadas matérias, inclusive concessão de honrarias, desrespeitando os critérios de 'relevância e urgência' previstos pela Constituição.

Para tentar coibir o desvirtuamento da MP, em 2001 o Congresso aprovou a Emenda Constitucional 32, mudando os critérios de tramitação e votação do instituto. As novas regras proibiram a reedição da MP, introduziram a votação separada em cada Casa Legislativa e estabeleceram que, depois de 45 dias de vigência, ela trancaria a pauta da Câmara e do Senado até que fosse votada em 120 dias. Ultrapassado esse prazo, a MP perderia efeito.

São essas regras que o presidente da República quer mudar. Ele tem razão quando reclama das concessões que tem de fazer ao baixo clero parlamentar a cada votação de uma MP. Desde que assumiu o poder, em janeiro de 2003, Lula já assinou 318 MPs. O problema é que as propostas defendidas pelo Ministério da Justiça e pela Casa Civil não resolvem o problema do desvirtuamento das MPs. Ao contrário. Com prazo de validade para 180 dias, como quer o ministro Tarso Genro, ou de 240 dias, como quer a ministra Dilma Rousseff, as MPs ampliariam ainda mais as prerrogativas do Executivo, permitindo-lhe criar situações de fato e invadir competências do Legislativo. Na prática, as propostas abrem caminho para a volta do antigo decreto-lei.

'É como se fosse a inutilização do Congresso', diz o presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra. 'Começou errado e permaneceu errado', afirma o presidente da OAB, Cezar Britto, para quem a MP é uma 'anomalia jurídica'.

Não há dúvida de que esse instituto jurídico tem de ser revisto. Mas a solução a ser adotada não pode permitir que o Executivo esvazie ainda mais as atividades legislativas do Congresso.