Título: Campo vermelho
Autor: Rosenfield, Denis Lerrer
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/02/2008, Espaço Aberto, p. A2

O ano de 2008 se revela pródigo, pelo menos em invasões e em iniciativas do MST que procuram pôr em questão a moderna produção agrícola. Tudo o que cheira à produtividade, ao empreendedorismo e ao lucro é considerado algo abominável, que deveria ser extirpado da face da Terra. Nada como a luz chavista para iluminar os que se recusam a acreditar na verdade teologicamente revelada. As pautas eleitorais e as políticas já fazem parte da nova agenda.

A agenda eleitoral se mostra particularmente presente na onda de invasões que assola o Estado de São Paulo. Não é casual, porém, que o ano tenha começado nesse Estado, haja vista o fato notório de que o mais forte contendor do atual governo, para as eleições de 2010, é o atual governador José Serra. Tratando-se, agora, de eleições municipais, o MST e as organizações congêneres estão procurando apresentar uma pauta que venha a prejudicar diretamente os tucanos. O governador, dada a sua projeção nacional, coloca-se como um alvo privilegiado, sendo utilizado o mote da regularização das terras supostamente devolutas existentes no Estado. A sua política de regularização fundiária está em causa, e o é por seus acertos, ao criar condições para que os conflitos agrários sejam equacionados. Nada disso, no entanto, interessa àqueles que vivem de conflitos e invasões.

O processo eleitoral faz, portanto, parte de um contexto mais amplo, o do prosseguimento do governo Lula na perspectiva do fortalecimento desses ¿movimentos sociais¿ e de suas propostas de radical transformação revolucionária da sociedade. Para eles, os próximos anos serão cruciais, porque, a despeito de suas críticas ao atual governo, eles têm obtido substanciais apoios financeiros e a lei não é a eles aplicada, em particular a que impede a desapropriação das propriedades invadidas e retira os invasores da lista dos próximos assentamentos. Sua pressão imediata é pela revisão dos índices de produtividade, tendo como objetivo relativizar ainda mais a propriedade privada. Por exemplo, o País, hoje, possui poucas terras improdutivas, sobretudo no Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Com uma modificação nos índices, num golpe de mágica, um número expressivo de propriedades poderia ser objeto de desapropriação. Pergunta-se: será que os produtores agrícolas deveriam dar ao Estado e aos ditos movimentos sociais o resultado de seu próprio empreendedorismo, de seu próprio trabalho? Exige-se isso dos setores industriais, financeiros, de serviços e comerciais? Tais índices são aplicados aos assentamentos?

A questão do desmatamento da Amazônia está servindo também para colocar o agronegócio como bode expiatório da irresponsabilidade governamental, numa clara orquestração entre os movimentos sociais e os Ministérios do Desenvolvimento Agrário e do Meio ambiente. O Estado é ele mesmo proprietário de 76% dessa parte do território nacional, sendo, portanto, responsável pelo que lá ocorre. Se não fiscaliza as suas próprias propriedades, deveria assumir o ônus de sua omissão. Os que destroem a mata nativa deveriam ser punidos, independentemente de suas qualificações como madeireiros, empresários ou assentados. A lei, simplesmente, deveria ser aplicada. Contudo, o governo, como sempre, utiliza dois pesos e duas medidas.

O Estadão estampou, há alguns dias, em manchete de sua primeira página, o desmatamento realizado por assentados. As provas são abundantes. O MST, quando desmata, esconde e, no entanto, não deixa de alardear a sua defesa do meio ambiente. O Estado do Paraná tem inúmeros exemplos de destruição ambiental levada a cabo por esse ¿movimento social¿. Entretanto, os ministros do Desenvolvimento Agrário e do Meio Ambiente se apressaram em dizer que não ¿acreditam¿ que os assentamentos produzam destruição ambiental. Poderiam acreditar em duendes também. No Estado de Direito, um mesmo princípio é aplicado igualitariamente a todos. O que não pode é substituir a aplicação da lei por uma nítida manobra política.

A Revista Sem-Terra, em seu novo número, dá um exemplo de quais são os objetivos estratégicos desta organização política travestida de movimento social. Lá consta uma entrevista de Roberto Baggio, integrante da direção nacional do MST. Suas palavras têm o mérito da clareza, pena que alguns relutem em ver o que está acontecendo. A miopia ideológica continua persistente, apesar do enorme peso dos fatos. Suas posições são claramente orientadas pelo marxismo, tendo como inimigo o capitalismo e os seus símbolos, como as empresas do agronegócio.

Assim, declara ele: ¿O agronegócio brasileiro é o grande responsável pela violência, pela contratação de jagunços, milícias armadas, assassinatos de trabalhadores, ameaças à biodiversidade, pressão sobre o Poder Judiciário, destruição da natureza, pelos níveis de pobreza....¿ Só falta dizer que ele é responsável de todos os males do planeta, inclusive as eventuais dores de cabeça que qualquer um venha a ter. O problema se resume, segundo essa ótica, a estabelecer a ¿democracia totalitária¿, isto é, o ¿socialismo¿.

Para não deixar lugar a dúvidas, logo é explicitado o que isso significa: ¿Nesta perspectiva, a Alternativa Bolivariana para os Povos das Américas (Alba) passa a ser a nossa nova tarefa política para o movimento social latino-americano e pode ser o grande projeto de integração e de soberania política... Na medida em que o continente latino-americano retoma o ascenso da luta social e da mobilização, o projeto da Alba pode ser o grande projeto da integração e de construção da grande pátria de unidade latino-americana sonhada por pensadores como Che Guevara, Martí, Simón Bolívar e Paulo Freire...¿ O ¿sonho¿ consiste em fazer do País uma grande Cuba ou uma Venezuela.

Qual é, pois, o sentido de falar em reforma agrária no contexto de um projeto político desse tipo?

Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na UFRGS. E-mail: denisrosenfield@terra.com.br

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