Título: Justiça decide embate religioso
Autor: Recondo, Felipe; Mayrink, José Maria
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/03/2008, Vida &, p. A15

Ações tratam de transplante a aborto de anencéfalos

Não é novidade para a Justiça julgamentos que colocam em lados opostos a ciência e a religião. Um dos mais conhecidos embates - que ainda gera decisões conflitantes - envolve as Testemunhas de Jeová, que se recusam a fazer transfusões de sangue, mesmo que o procedimento seja essencial para a manutenção da vida.

Os médicos que insistiam em fazer as transfusões à revelia dos pacientes eram processados posteriormente na Justiça. Decisões mais recentes, porém, estão livrando os médicos de condenação.

No ano passado, por exemplo, uma juíza decidiu, ao analisar um caso específico, que o direito à vida prevalece sobre a liberdade de consciência e de crença religiosa. Em outro julgamento, de 2004, pai e filha foram presos no Rio por impedirem a transfusão para salvar a vida de uma mulher de 78 anos, Testemunha de Jeová.

Outro conflito envolveu um fiel da Igreja Adventista do Sétimo Dia, religião que veda o trabalho aos sábados. Um policial militar de Goiânia (GO) chegou a ser preso no final do ano passado por se recusar a trabalhar aos sábados.

Nesse caso, a Justiça entende que, mesmo sendo seguidor dessa religião, o adventista deve cumprir seus deveres. Não poderia, por exemplo, se recusar a votar em uma eleição, caso fosse marcada para um sábado.

Advogados que acompanham a discussão sobre a constitucionalidade das pesquisas com células-tronco embrionárias avaliam que essa jurisprudência em relação a outras religiões poderia ser revista, caso prevaleça a tese da Igreja Católica de que as pesquisas devem ser proibidas.

ANENCEFALIA

Outro assunto que está na pauta do Supremo Tribunal Federal (STF) desde 2004 e envolve interesses da Igreja Católica é o aborto de fetos anencéfalos (sem cérebro). Uma ação tenta permitir que, em caso de anencefalia, a interrupção da gravidez seja liberada sem a necessidade de prévia autorização judicial. O relator da ação, ministro Marco Aurélio Mello, afirmou que espera o resultado do julgamento sobre células-tronco embrionárias para colocar na pauta essa ação, que tramita desde 2004.

Atualmente, gestantes que detectam o problema têm de pedir autorização ao Judiciário para antecipar os partos, o que tem sido concedido em alguns casos - até mesmo pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).