Título: O que a retratação não muda
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Fonte: O Estado de São Paulo, 22/02/2008, Notas e Informações, p. A3
Dois anos depois de acusar o então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, de receber R$ 50 mil mensais da empreiteira Leão Leão, que fazia a coleta de lixo em Ribeirão Preto, quando ele ocupava pela segunda vez a prefeitura da cidade, entre 2000 e 2002, o seu ex-secretário de Governo Rogério Tadeu Buratti deu o dito pelo não dito - ou melhor, disse que mentiu. Como revelou na edição de quarta-feira deste jornal o repórter Fausto Macedo, em 28 de junho de 2007 Buratti registrou em um tabelionato de São Paulo uma declaração extrajudicial renegando tudo que afirmara em agosto de 2005, primeiro à Polícia Civil e ao Ministério Publico, logo em seguida à CPI dos Bingos, como testemunha-chave nas investigações sobre as denúncias contra seu antigo chefe. A denúncia contra Palocci foi encaminhada ao STF, em razão do foro privilegiado a que tem direito como deputado federal.
O Grupo de Atuação Especial e Repressão ao Crime Organizado do Ministério Público, que apura casos de corrupção, estima que, nas duas gestões Palocci, o município paulista foi garfado em R$ 30 milhões em pagamentos por serviços não executados ou superfaturados pela Leão Leão. Em contrapartida, a empresa - da qual Buratti viria a ser vice-presidente - pagava o referido pedágio mensal que o então secretário de Finanças, Ralf Barquete (já falecido), e o prefeito repassavam ao PT - como o acusador salientou, à guisa de atenuante para seu antigo chefe. Não tivesse Buratti se transformado em desafeto de Palocci - ao que tudo indica por motivos que não seria apropriado detalhar -, permaneceria oculto mais esse esquema armado pelo partido que outrora se fazia passar por ético, para acumular ¿recursos não-contabilizados¿ que pavimentariam o seu caminho para a Presidência da República.
Do mesmo modo, não fosse a zanga do então prefeito de Santo André, Celso Daniel, que ameaçou denunciar quem estava se apropriando das propinas para a caixa do PT de concessionárias locais de serviços públicos, ao descobrir que o produto da extorsão vinha sendo privatizado, tampouco viria à tona mais um exemplo inequívoco do jeito petista de governar, antes ainda de irromper o escândalo-síntese do mensalão. E Celso Daniel teria continuado vivo para assumir, como programado, a coordenação do programa do candidato presidencial Lula da Silva, em 2002 - o que, por ironia do destino, tocou afinal ao companheiro Palocci. Só a partir dos depoimentos incriminadores de Buratti foi possível tomar conhecimento da dupla personalidade do acusado: uma, a do administrador estelar da economia nacional, fiador da presidência Lula junto aos interlocutores do País; outra, a do disciplinado praticante do escabroso sistema de arrecadação de fundos do partido que iria ¿mudar tudo isso que está aí¿.
À luz dessas evidências, a retratação do empresário que havia assentido à delação premiada só pode ser uma farsa ou uma capitulação. ¿Ou eles (Buratti e Palocci) se compuseram, ou ele (Buratti) está sendo coagido¿, especula o delegado Antonio Valencise, que em 2005 indiciou o ex-prefeito no inquérito sobre a sujeira com o lixo de Ribeirão Preto. Em qualquer hipótese, raciocina, ¿é uma verdadeira falcatrua¿. No desmentido, Buratti invoca um suposto ¿estado de coação¿. Ele teria concordado com as ¿exigências¿ do Ministério Público e da polícia, depois de ter sido ¿desmoralizado diante dos filhos e familiares¿, e por estar preocupado com a saúde da mãe. E teria sido acometido de pânico ao depor à CPI, ¿temendo nova prisão diante das câmaras de televisão que transmitiam o evento para todo o País¿.
Agora, descoberta a retratação, recorre a outro argumento: não pode provar o que afirmara sobre a mensalidade de R$ 50 mil da Leão Leão, pois ¿é uma história que passa por uma pessoa (o ex-secretário Barquete) que está morta¿. Soa mais verossímil o trecho de sua inquirição no Congresso em que declara que, ao denunciar Palocci, viveu o ¿maior conflito¿ de sua vida. Não porque estivesse dividido entre falar a verdade e ir para a cadeia ou caluniar um inocente para ser deixado em paz. Mas porque o acusado - ¿um homem íntegro e correto¿ - ¿tinha uma trajetória ligada ao partido¿. Esse é o drama: no PT, o que não falta são pessoas de bem que se dispõem a fazer o mal para ajudar o partido.
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