Título: Para aprimorar as políticas dos EUA
Autor: F. Lowenthal, Abraham
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/02/2008, Espaço Aberto, p. A2

Em menos de um ano, um novo presidente e um novo Congresso americanos assumirão. Muitas questões vão requerer pronta atenção: as guerras no Iraque e no Afeganistão, a potencial implosão do Paquistão, um possível conflito com o Irã, a evidência crescente da mudança climática e seus efeitos, as proezas econômicas da China e da Índia e as implicações globais de sua ascensão, as incertezas israelo-palestinas - para não mencionar uma recessão econômica se aprofundando, a forte agitação sobre imigração ilegal, uma crescente crise no sistema de saúde, tomar importantes decisões em política fiscal e, evidentemente, a necessidade de se concentrar em questões relacionadas à educação e em outros desafios domésticos.

Nesse contexto, ninguém deve esperar que a nova administração americana dê prioridade à América Latina e ao Caribe. Nenhum dos países latino-americanos atuais representa uma ameaça imediata à segurança nacional americana, nenhum será uma provável fonte ou foco de um terrorismo internacional significativo e nenhum será crítico para resolver os problemas mais prementes da política externa americana.

Embora os países da América Latina e do Caribe não se mostrem como problemas urgentes para Washington, eles são cada vez mais importantes para o futuro dos Estados Unidos, não como áreas de crise, mas de uma maneira cotidiana. Isso é verdadeiro por quatro razões principais:

Problemas comuns com os quais nem os Estados Unidos nem qualquer nação latino-americana podem lidar sozinhos sem uma cooperação sustentada de parceiros regionais. Esses problemas incluem migração, segurança energética, aquecimento global e outras questões ambientais, drogas, criminalidade, saúde pública e terrorismo internacional. Desde o atentado de 11 de setembro, autoridades do governo americano mencionam com freqüência a última dessas questões em primeiro lugar, mas as outras são mais importantes de uma perspectiva latino-americana e, em última instância, talvez para os Estados Unidos.

A interdependência demográfica decorrente da migração maciça que está apagando as fronteiras entre os Estados Unidos e os seus vizinhos mais próximos e dando origem a problemas ¿interdomésticos¿ - aqueles com facetas internacionais domésticas, variando da educação à saúde, das remessas de dinheiro a cartas de motorista, de gangues juvenis a aposentadorias transferíveis de um empregador para outro.

A importância da região para os Estados Unidos, como mercado prioritário para a exportação de bens e serviços americanos e como principal fonte de energia e outros recursos vitais para a economia americana.

E valores compartilhados, particularmente em direitos humanos fundamentais, incluindo os direitos de livre expressão política e efetiva governança democrática. O povo americano intui que esses valores centrais não podem prevalecer em âmbito internacional, se não prevalecerem no Hemisfério Ocidental.

A concentração desses quatro interesses sublinha o quanto nós, nos Estados Unidos, ganharíamos se os países da América Latina e do Caribe pudessem reduzir a pobreza massacrante, as amplas desigualdades e a exclusão étnica. Essas condições alimentam a polarização, conduzem à exploração demagógica, solapam a governança democrática, a estabilidade e as políticas sustentáveis de desenvolvimento econômico. Se os Estados Unidos pudessem ajudar países da América Latina e do Caribe a lidarem com essas questões difíceis, teríamos vizinhos mais estáveis, mercados expandidos, oportunidades de investimento mais atraentes, destinos turísticos mais favoráveis, fontes de energia mais garantidas e parceiros mais dispostos a lidar com uma ampla agenda de preocupações globais, incluindo a mudança climática, além de drogas e migração.

Os recursos americanos disponíveis são hoje limitados demais para causar um impacto dramático na pobreza, na desigualdade e na exclusão; não é o momento para uma nova ¿Aliança para o Progresso¿. Mas os Estados Unidos certamente podem fazer mais nesse sentido que as pálidas imitações dos programas venezuelano e cubano anunciados na viagem do presidente George W. Bush à América Latina em 2007: visitas de um navio-hospital americano a vários portos latino-americanos e doações de mais bolsas de estudo nos Estados Unidos.

Os Estados Unidos poderiam melhorar o impacto social das remessas de dinheiro; apoiar programas de microfinanciamento; estabelecer um fundo de desenvolvimento social de âmbito regional, tendo como alvo esforços de redução da pobreza e engajar populações especialmente vulneráveis; fornecer crédito multilateral para ajudar países importadores de energia a se ajustarem num período de custos muito altos; apoiar reformas educacionais inovadoras; combater o tráfico de armas pequenas; e lidar com gangues juvenis como um problema transnacional. Muitos desses programas já existem numa escala modesta, mas a próxima administração deveria lhes dar maior ênfase e apoio; isso não seria muito caro e poderia fazer uma grande diferença em muitos casos. E Washington deveria mobilizar esforços dos setores público e privado para fortalecer a infra-estrutura na América Latina e expandir a produção de energia - ações importantes para acelerar o crescimento da região, que é de grande interesse para os Estados Unidos.

Abraham F. Lowenthal, professor de Ética, Globalização e Desenvolvimento e de Relações Internacionais na Universidade do Sul da Califórnia, é presidente emérito do Pacific Council on International Policy