Título: Precisamos discutir o tamanho do Estado
Autor: Manzano Filho, Gabriel
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/03/2008, Nacional, p. A5
Segundo ele, dificuldade para mudar modelo tributário vem do grande número de entes federados que há no País
É um pequeno passo à frente, mas ainda é muito pouco. Assim o ex-deputado e professor Marcos Cintra, vice-presidente da Fundação Getúlio Vargas (FGV), resume o projeto de reforma tributária do governo, que se baseia, parcialmente, em uma idéia que ele lançou em 1990 - a de um imposto único, que tornaria mais simples e transparente o sistema tributário. ¿Mas a diferença entre minha proposta e a do governo é muito grande¿, adverte. ¿Minha idéia é cobrar um único imposto, sobre movimentação financeira. O governo junta alguns tributos em um só, mas quer cobrá-lo sobre um valor agregado. Um valor que o contribuinte declara. Assim a base é menor e a alíquota terá de ser alta, o que induz o contribuinte à sonegação.¿ No todo, o projeto lhe parece insuficiente: ¿Ele mantém vários outros impostos, não altera a carga tributária, não rediscute a distribuição das receitas com Estados e municípios e não se mostra claro na questão da desoneração.¿
A idéia de juntar vários impostos em um só, criando o Imposto sobre Valor Adicionado (IVA), repete sua proposta de imposto único?
Ela mostra uma coisa boa: que o governo já absorveu a idéia de unificação tributária. Por isso entendo que o conceito do imposto único é hoje amplamente vencedor. Só que, como eu digo às vezes brincando, o governo parece caminhar na direção de um imposto único sobre o valor agregado. Ao passo que eu defendo o imposto único sobre movimentação financeira.
Qual é, exatamente, a diferença?
A idéia que lancei em 1990 era trocar tudo por um imposto único, de fato. Seria cobrada uma alíquota de 1% sobre toda movimentação financeira no País - portanto, uma cobrança sobre uma base universal. Não dependeria de valores, limites, operações. O projeto atual junta impostos num mecanismo tributário tradicional. Faz uma diferença gigantesca, no que diz respeito à simplicidade, economicidade e universalidade da base tributária.
O que há de errado no atual projeto do governo?
Eles estão tentando unificar, ainda que mantenham duas instâncias - o IVA federal e o Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICMS). Mas como o valor agregado é uma base declaratória - que dá margem à evasão e à sonegação - a alíquota vai ser muito alta. O atual ICMS está em 17%. Pelos meus cálculos, o IVA federal, para gerar a mesma arrecadação dos impostos que vai substituir, ficará entre 8% e 12%. Juntando os dois impostos chegamos a 25% ou 30% de tributação. Ora, isso é demais.
E desoneração da folha, para compensar empresas, é uma saída?
É um caminho importante. Só lamento que o governo não esteja sendo muito claro na questão. Ele apenas indica que vai reduzir em 1 ponto porcentual por ano e acena com uma indicação de substituição de fontes. Tudo isso é muito nebuloso. Se o governo diz que não vai substituir a fonte, tem de alocar no Orçamento a receita que vai suprir a desoneração da folha de pagamento prometida às empresas. Ou então, terá de definir qual será a nova fonte desses recursos. No fundo, acho que incluíram a desoneração apenas para dar uma certa palatabilidade à reforma.
Como ficam outras questões, como a guerra fiscal, a redução da carga tributária, a redivisão de recursos com Estados e municípios?
No restante do sistema tributário vai continuar tudo como está, o que mostra que essa reforma é muito limitada. Seu impacto será somente sobre a circulação de bens e mercadorias. Não mexe com o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados). Deixa de fora o Imposto de Renda, os impostos municipais. Para chamar de reforma, mesmo, teria de discutir o modelo inteiro.
Esse debate sobre o modelo se arrasta há 20 anos. Por que é tão difícil mudar?
Acho que o pecado original, que levou a essa complexa teia de interesses e a discussões infindáveis, é uma coisa que está no DNA do nosso sistema tributário. Consiste no fato de termos uma federação composta de mais de 5.500 entes federados com autonomia, com capacidade e competência tributária autônomas, que são a União, os Estados e os municípios. Fica um sistema complexo, onde a concorrência fiscal é inevitável.
A guerra fiscal só envolve 27 governos estaduais...
Sim, mas embora sejam poucos, ninguém quer perder. O problema é que o ICMS deveria ser um assunto de competência do governo central, não das unidades subnacionais. Como se vê, a principal dificuldade não é tanto o modelo tributário, mas o modelo político. Para reformar mesmo todo esse quadro, seria preciso redefinir a autonomia dos entes federativos.
O que resta, então, é torcer por pequenos avanços?
Sim, mas aí há outro risco. É que vão se criando penduricalhos, alterações aqui e acolá, que formam uma colcha de retalhos. E, quando não se tem uma visão de conjunto e uma direção, você pode criar um monstro, um Frankenstein. Foi o que conseguimos por aqui. Você acaba piorando o sistema, em vez de melhorá-lo.
Em suma, a carga tributária não vai baixar tão cedo.
Eu acho que o sistema tributário vem a reboque da decisão política de gastar. A história fiscal mostra isso. Não é a receita que determina os gastos, estes é que definem a necessidade de receita. O que precisamos é uma discussão prévia sobre o tamanho do Estado e sobre a divisão dos recursos.
O sr. percebe algum progresso do País nessa direção?
Não sou otimista. O fato é que o brasileiro é extremamente assistencialista, dependente do governo. Na medida em que a sociedade continuar esperando que o Estado resolva todos os seus problemas, os gastos públicos continuarão elevados. É preciso que as pessoas entendam que o Estado provedor já cumpriu seu papel. É hora de mudar essa visão, para se chegar a uma redução dos gastos. Disso dependemos para ter uma carga tributária mais leve.
Quem é:Marcos Cintra
É vice-presidente da FGV.
Idealizador da proposta de Imposto Único, foi secretário municipal de Planejamento de São Paulo em 1993 e de Finanças de São Bernardo do Campo de 2003 a 2006.
Elegeu-se vereador em São Paulo em 1992 e deputado federal pelo PL em 1998.