Título: Manipulação genética e poluição são pecados modernos, diz Vaticano
Autor: Marques, Gina; Gonçalves, Alexandre
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/03/2008, Vida &, p. A16

Segundo bispo Gianfranco Girotti, a maior ameaça à alma do homem é `o mundo desconhecido¿ da bioética

A manipulação genética, a poluição ambiental, o uso de drogas e as desigualdades sociais estão na lista de ¿pecados modernos¿ que suscitam especial preocupação do Vaticano. As transgressões foram definidas como ¿sociais¿ e não devem ser confundidas com o elenco tradicional dos pecados capitais - gula, luxúria, avareza, ira, soberba, inveja e preguiça (leia texto abaixo). Em entrevista ao jornal da Santa Sé, L¿Osservatore Romano, publicada domingo, o bispo Gianfranco Girotti, membro da Penitenciaria (assim mesmo, e não ¿penitenciária¿) Apostólica, tribunal da Cúria Romana que trata de questões de consciência, afirmou que as novas formas de pecado social são adaptadas à realidade da globalização. A entrevista foi dada depois que ele terminou de dar um curso de atualização aos padres confessores, que durou seis dias.

Segundo o bispo, o maior perigo para a alma, hoje, é ¿o mundo desconhecido¿ da bioética: ¿Dentro da bioética há áreas onde devemos denunciar, sem qualquer espécie de dúvida, algumas violações dos direitos fundamentais do ser humano, nomeadamente algumas experiências de manipulação genética, cujo resultado é difícil de prever e controlar.¿

Ele acrescentou que na área social, o principal perigo é o tráfico e o consumo de drogas. ¿A droga enfraquece a psique e obscurece a inteligência, deixando muitos jovens fora da Igreja¿, explicou. O bispo falou das injustiças sociais e econômicas como uma grande ofensa, indicando que os fiéis devem pedir perdão e fazer penitência. ¿A desigualdade social, onde os ricos se tornam cada vez mais ricos e os pobres, cada vez mais pobres, alimenta uma insuportável injustiça social.¿

PECADO GLOBALIZADO

Girotti pediu uma maior consciência ambiental e colocou na lista de pecados as ofensas ecológicas. As recomendações seguem o discurso do papa Bento XVI, que tem apelado para a preservação do ambiente.

Também de acordo com d. Girotti, o pecado deixou de ser apenas uma questão pessoal e passou a ter influência mais ampla dentro da sociedade. ¿Antes, o pecado tinha uma dimensão individual, hoje tem impacto social, principalmente por causa da globalização. A atenção ao pecado agora é mais urgente por causa dos reflexos maiores e mais destruidores que pode ter.¿

Girotti frisou que o aborto e a pedofilia continuam a ser preocupações centrais da Igreja, mas, no último caso, ressalvou que o problema é ampliado pelos meios de comunicação. ¿Estes fenômenos graves demonstram a fragilidade humana e institucional da Igreja. Ela, porém, reagiu (...). Mas os meios de comunicação enfatizam o problema, prejudicando a imagem da Igreja.¿

LINGUAGEM ATUALIZADA

O professor de teologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Fernando Altemeyer Júnior, considera oportuna a lista. ¿Quando os pecados capitais foram sistematizados no século 6º, ninguém pensava que um dia teríamos a capacidade de destruir o planeta¿, afirma. Ele também acredita que a lista terá uma função eminentemente pedagógica. ¿O espírito não é punir: ninguém será excomungado. O debate é mais um convite para repensar os grandes valores.¿

Segundo d. Antonio Augusto Dias Duarte, membro da Comissão Episcopal Pastoral para a Vida e Família da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), não há novidade na lista de pecados. ¿A moral católica não mudou. Apenas houve uma atualização da linguagem¿, afirma.

¿Estou apenas surpreso. Sei que meu voto desagradou muita gente, mas prefiro não falar¿, declarou o ministro Carlos Ayres Britto, relator do processo no Supremo Tribunal Federal que julga a constitucionalidade da lei que autoriza pesquisas com células-tronco de embriões humanos. Ele votou a favor dos estudos, contra a posição da Igreja.

¿A classificação da Igreja é uma clara reação de medo do progresso¿, avalia o chefe do Departamento de Genética e Evolução da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Gonçalo Pereira.

A LISTA CRESCE

A Igreja Católica divide os pecados em veniais - menos sérios - e mortais, que implicam na danação eterna a não ser que o cristão seja absolvido antes da morte pela confissão e penitência

Os pecados do momento

Manipulação genética (inclui uso de embriões)

Uso de drogas, que afasta os jovens da Igreja

Desigualdade social

Poluição ambiental

A pena tradicional

Recomenda-se a confissão a um sacerdote até 15 ou, no máximo, 20 dias depois de se cometer o pecado. É preciso dedicar-se à comunhão e à oração. O pecador também deve insistir na pureza e na caridade. A impenitência pode levar o pecador à condenação eterna da alma depois da morte