Título: BCs pedem ajuda de emergentes contra crise
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/03/2008, Economia, p. B3

Países devem incentivar o consumo doméstico, diz Trichet, do BCE

Os países emergentes se transformam na aposta e, acima de tudo, na esperança dos xerifes da economia mundial para evitar que a desaceleração do crescimento do Produto Interno bruto (PIB) dos Estados Unidos afete toda a economia global. Falando em nome dos principais BCs do mundo, o presidente do Banco Central Europeu (BCE), Jean-Claude Trichet, apelou para que os países emergentes, principalmente a China, incentivem seus mercados domésticos e transformem seus superávits comerciais e fiscais em crescimento interno. Segundo Trichet, esses mercados teriam ¿recursos preciosos¿, fundamentais para ¿reequilibrar¿ a economia mundial.

Trichet deu a declaração ao fim da reunião entre os principais BCs do mundo, que contou com a presença do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. A reunião foi realizada na Basiléia, na sede do Banco de Compensações Internacionais (BIS). Ontem, o encontro foi marcado pelos novos dados da economia americana, indicando que o período de recessão nos Estados Unidos já é uma realidade entre os xerifes das finanças internacionais.

Documentos publicados pelo BIS alertam que alguns países emergentes já sofrem com as turbulências, tendência que reverte a noção de que, dessa vez, os mercados em desenvolvimento ficariam fora da crise.

China e Brasil, por enquanto, estariam conseguindo evitar uma contaminação e poderiam ser a chave para os próximos meses. ¿O reequilíbrio da situação passa pelos países emergentes, para que possamos continuar a ter uma prosperidade global¿, disse Trichet.

A China, que já ocupa um dos postos de maior exportador do mundo, conseguiu nos últimos anos acumular um superávit de mais de US$ 1 trilhão. São esses recursos que Trichet agora espera ver aplicado na economia local para gerar consumo e incentivar as exportações de outros países. O mesmo poderia se aplicar ao Brasil, ainda que em escala bem menor.

Para Meirelles, o Brasil ¿é um país que está bastante avançado na questão do fortalecimento do mercado interno¿. ¿No Brasil, a demanda doméstica já está forte e não se coloca essa questão de aumentar demanda doméstica. É uma questão asiática¿, disse Meirelles.

¿Nesse estágio, a resistência dos emergentes continua apropriada ao que estamos vendo¿, disse Trichet, insinuando que uma queda maior das economias ricas poderia ter outro impacto entre os emergentes.

Segundo ele, a solidez desses mercados estaria sendo vista ¿tanto nos mercados financeiros como na economia real¿ dos países em desenvolvimento.

Por enquanto, o presidente do BCE diz que não haveria motivos para rever a projeção de crescimento da economia mundial feita pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Em janeiro, o Fundo reduziu de 4,8% para 4,1% sua projeção de alta no PIB mundial em 2008.

¿O que vemos é um crescimento (na economia mundial), com um certo nível de desaceleração.¿ Ele acredita que isso apenas se confirmará, porém, se os BCs continuarem sendo responsáveis - ou seja, mantenham a inflação sob controle - e se os riscos continuarem a ser monitorados.

Mas Trichet, ao apostar nos emergentes, deu sinais de que já não haveria esperanças de que a desaleceração seja revertida em 2008. Ele voltou a destacar a ¿resisténcia dos mercados emergentes ante a crise¿ como um fator positivo no cenário internacional, mas disse que essa realidade estava ocorrendo apenas com aqueles que tinham amplos superávits comerciais e fiscais.

A saída seria a adoção de medidas entre os emergentes para que possam transformar os superávits fiscais e comerciais acumulados numa alta na demanda doméstica. Trichet admitiu que os recentes dados da economia americana incentivaram os principais BCs do mundo a concentrar suas avaliações e apostas no esforço de reequilibrar a economia mundial com base nos emergentes.

¿O diagnóstico do problema não é diferente do que tínhamos em janeiro. Mas as notícias dos Estados Unidos nos levam a pensar mais na questão do reequilíbrio.¿ Em sua avaliação, o papel dos BCs dos mercados emergentes é garantir que a inflação esteja sob controle e dar confiança ao mercado. ¿Em um mundo com elementos de turbulência, a confiança é essencial.¿

INFLAÇÃO

Trichet destacou ainda a pressão inflacionária gerada pela alta nos preços de commodities, de petróleo e de produtos ligados ao setor agrícola, entre eles o etanol. ¿Os preços do petróleo, commodities, alimentos e produtos agrícolas estão se materializando de forma impressionante. Vemos isso em todas as economias.¿

O presidente do BCE voltou a alertar para os riscos de que, numa etapa de recessão, economias decidam tomar medidas protecionistas para evitar que as empresas locais tenham de concorrer com produtos estrangeiros. ¿O protecionismo tem um impacto negativo para a prosperidade¿, alertou.