Título: A crise dimensionada
Autor: Garnero, Mario
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/03/2008, Espaço Aberto, p. A2
Hoje conhecida por todas as camadas sociais a palavra subprime se tornou a prima-dona da anunciada nova tragédia financeira mundial.
Crise anunciada nos EUA, com ramificações em países da Europa, subprime é o prato principal daqueles que conhecem os efeitos já refletidos nas compras das casas próprias, no emprego estagnado, na redução dos gastos por precaução e por temor de ventos mais fortes que semeiam naqueles países o temor de furacões financeiros.
Será a crise tão grave como se anuncia, sendo já denominada de recessão nos EUA e colocando os demais países do mundo em quarentena?
Gostaria de reproduzir aqui um comentário de Marcelle Chauvet, uma brilhante brasileira fazendo importante carreira universitária na Califórnia e considerada lá como a grande autoridade no estudo dos ciclos econômicos e em especial os recessivos naquele país.
¿Dados recentes de dezembro e janeiro indicam uma relativa deteriorização no desempenho da economia americana. Não há dúvida de que essa economia está crescendo a uma taxa bem mais lenta, mas os dados são mixos com relação a um crescimento negativo. A estimativa da probabilidade de recessão é de 20% para o mês passado. De uma perspectiva histórica, nos últimos 18 anos os EUA tiveram quatro fases de crescimento lento (não contando a atual): duas se tornaram recessões e duas, não. Uma característica comum a essas duas recessões passadas é o fato de que suas causas principais não foram crises de crédito. A crise atual no mercado de subprime, no entanto, é bem mais sensível às mudanças na política monetária que o Fed vem implementando. Não é certo, porém, que o Fed vai reduzir a taxa de juros tanto quanto necessário para evitar uma recessão, caso a inflação continue subindo, nem se o impacto da queda de juros na economia será rápido o suficiente também. De qualquer forma, acredito que, dada a sua origem, se a fase de crescimento lento atual se tornar uma recessão, esta será bem menos severa e curta que as anteriores.¿
Estou de acordo inteiramente com as considerações acima. Gostaria, todavia, de qualificar algumas das preocupações, não dela, mas dos mercados financeiros e, agora, por causa do estardalhaço das pessoas nas ruas, tanto lá como cá.
Iliquidez de bancos americanos não são novidades. O mais recente Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (Proer), antes de ser criado pela crise do subprime, foi criado sob o governo Reagan. Os bancos foram salvos. Citi, Manufacturers, Chase, America e todos eles com uma inteligente associação de juros baixos e alongamento dos pagamentos ao Fed, que permitiu aos bancos sanearem suas carteiras. E em especial permitiu ao príncipe saudita Al Whaleed tornar-se, a preços módicos, o maior acionista privado do CitiGroup. E o Citi agora repete a mágica com dinheiro de Abu Dabi. Portanto nem os grandes bancos, na Europa ou nos EUA, fecharão suas portas. Mas terão de digerir os lucros maciços que tiveram nesses anos de subprime gordinho e desejável. E, com a ajuda dos bancos centrais e dos novos tesoureiros mundiais, indianos, chineses, russos, brasileiros e, de volta hoje entre os bancos mais líquidos do planeta, após difícil digestão de créditos podres, os japoneses.
Nem todos os subprime são créditos perdidos. Recuperada a liquidez do sistema, os imóveis recomeçarão sua progressiva valorização e o fantasma estará transformado, com a ajuda importante dos governos, em haveres líquidos.
Os EUA estão reduzindo aceleradamente o seu déficit comercial. De quase 6% da riqueza nacional (GNP), em mais dois anos estará próximo à média histórica de 3% a 3,5%. Isto é, US$ 400 bilhões a US$ 600 bilhões ao ano, que representam sempre uma oportunidade para países que podem para lá aumentar suas exportações, como é o caso do Brasil.
O dólar subvalorizado, hoje, em relação principalmente ao euro, ao real e ao yen, e as sobras chinesas do yuan estão a gerar uma corrida maciça aos ativos, e o fluxo de investimentos compensa a eventual diminuição da atratividade dos títulos do tesouro americano.
Os juros negativos, isto é, abaixo da inflação, gerarão no primeiro momento em que as empresas notarem uma reversão das expectativas pessimistas na economia, um surto importante de investimentos na capacidade produtiva. Assim, não acredito no fim do mundo economicamente falando. Mesmo porque ainda acredito que o preço do petróleo vai chegar a US$ 150 o barril, e não vai demorar muito tempo.
A reserva antidepressão mundial está na soma do poderio hoje de países que crescem a cerca de 11% ao ano, como a China, e outros como a Índia, a América Latina e, em especial, o Brasil, que vai repetir este ano a dose mínima de 5%.
Além disso, há os países do Golfo e os produtores de petróleo, como a Rússia, que juntos dispõem hoje de reservas que ultrapassam em fundos soberanos mais de US$ 10 trilhões de reservas. Isto é, o montante anual de riquezas geradas pelos EUA. Eles são hoje o verdadeiro FMI, cuja importância desapareceu no mundo.
A palavra que creio que fica como recado para o Brasil é que se manterão a privilegiada posição de reservas, o superávit orçamentário e em especial da balança comercial e o balanço de pagamentos. Mas não eternamente. Temos de colocar metas para empresários, governos e sociedade. É nossa missão buscar como país investir na infra-estrutura depauperada, na inovação tecnológica e em sistemas, na importação de máquinas e equipamentos e bens intermediários vitais, para continuarmos a ganhar em competitividade, com o fim de melhorar os preços e a qualidade de nossos produtos, industriais e agrícolas, de exportar serviços e, com isso, fazer a meta de US$ 300 bilhões de exportações anuais tornar-se realidade até 2012.
O caminho não é do lamento, mas, sim, o da ousadia como Nação líder.
Mario Garnero é empresário do Grupo Brasilinvest