Título: A prudente decisão da OEA
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Fonte: O Estado de São Paulo, 07/03/2008, Notas & Informações, p. A3

Ao deixar o Palácio do Planalto, depois de uma conversa com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente do Equador, Rafael Correa, demonstrava, por sua fisionomia e por suas atitudes, que não havia obtido o que viera buscar. Ele queria que o governo brasileiro apoiasse, na Organização dos Estados Americanos (OEA), uma proposta de condenação da Colômbia por ter invadido território equatoriano para desbaratar um acampamento das Farc. Ratificada a condenação pelo Conselho Permanente da OEA, estaria aberto o caminho para a aplicação de sanções políticas e econômicas à Colômbia - ou seja, para o prolongamento e aprofundamento da crise.

Mas ao Brasil, assim como à Argentina e ao Chile, interessava colocar água fria na fervura - e isso foi dito com toda a clareza para o presidente Rafael Correa. Sem nenhum apoio para promover a escalada diplomática da crise, só restou a Correa aceitar novos pedidos de desculpas do presidente Álvaro Uribe. Com isso, o Conselho da OEA pôde aprovar uma resolução que reitera ser inviolável o território de um Estado e que forças militares haviam entrado sem permissão no Equador, mas em momento algum menciona a Colômbia como Estado agressor.

A redação do texto dessa resolução demandou cerca de 14 horas de trabalho das delegações do Equador e da Colômbia, assessoradas por diplomatas de outros países. Não por acaso, não participou das negociações o representante na OEA da Venezuela - que rompeu relações com Bogotá -, e a comunicação do embaixador da Nicarágua - outro país bolivariano -, de que o presidente Daniel Ortega considera o seu país ameaçado pela Colômbia, foi ostensivamente ignorada.

Deveu-se isso, também, à ação concertada das diplomacias do Brasil, Argentina e Chile, que sensatamente decidiram isolar o caudilho Hugo Chávez, que foi o principal catalisador dessa crise ao ser o primeiro a romper relações com a Colômbia e anunciar o envio de tropas para a fronteira, praticamente obrigando o presidente Rafael Correa a fazer o mesmo. A Chávez interessa o agravamento do conflito com a Colômbia. Em primeiro lugar, para desviar as atenções dos venezuelanos da profunda crise econômica por que passa o país e, depois, porque precisa fabricar inimigos externos para alimentar os seus delírios de refazer o vice-reinado cuja unidade Bolívar não conseguiu manter. Mas o silêncio quase total que Chávez tem mantido desde que fez as primeiras bravatas da sua drôle de guerre mostra que há uma certa lógica em sua paranóia. Os batalhões blindados que despachou para a fronteira estão chegando lá em conta-gotas - porque sabe que seu Exército de parada não é páreo para as tropas colombianas, bem equipadas e treinadas na luta contra a narcoguerrilha. E o rompimento de relações comerciais com Bogotá durou, até agora, dois períodos de meia hora cada, quando a fronteira foi fechada. Afinal, é da Colômbia que a Venezuela - que passa há meses por uma grave crise de abastecimento - importa alimentos essenciais.

Mas a crise não foi inteiramente debelada com a aprovação da resolução da OEA. Uma ¿comissão verificadora¿ do organismo, constituída pelo seu secretário-geral e por embaixadores de quatro países - entre os quais o Brasil -, inspecionará os dois lados da fronteira, e não apenas o local do acampamento destruído, como queria o Equador, e apresentará um relatório à reunião de chanceleres convocada para o dia 17. Só então a OEA fará as recomendações pertinentes ao caso.

Enquanto isso, é preciso que os governos do Brasil, da Argentina e do Chile continuem se empenhando para reconciliar Equador e Colômbia. Afinal, do ponto de vista militar, os riscos de um conflito nas fronteiras parecem estar conjurados. Mas Daniel Ortega e Rafael Correa, tutelados pelo coronel Hugo Chávez, ainda podem criar graves constrangimentos políticos ao governo da Colômbia. Alguns observadores, por exemplo, temem que os governos desses três presidentes bolivarianos reconheçam o estado de beligerância das Farc. No mês passado, Hugo Chávez chegou perto disso, ao declarar à Assembléia Nacional venezuelana que as Farc têm um projeto político legítimo. E, nesse momento, o que mais embaraçaria o governo de Álvaro Uribe seria uma iniciativa que desse legitimidade internacional à narcoguerrilha.