Título: Não repitam o espetáculo dos anos 70
Autor: Krugman, Paul
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/02/2008, Economia, p. B19

O próximo presidente americano será uma nova encarnação de Jimmy Carter? Considerando as manchetes econômicas de quinta-feira, cheias de avisos terríveis sobre a volta da estagflação no estilo dos anos 70, poderíamos acreditar que sim.

Realisticamente, no entanto, os paralelos entre os problemas da economia dos EUA hoje e aqueles do fim dos anos 70 não têm tanta força.

Esta é a boa notícia.

A má notícia é que a economia provavelmente parecerá similar, mas pior do que a economia que arruinou o primeiro presidente Bush. E é muito fácil ver como o próximo presidente pode ter um destino político similar aos de Bush pai e Carter.

Falemos primeiro sobre a economia da era Carter.

O histórico geral de Jimmy Carter na área econômica foi muito melhor do que a maioria das pessoas imagina: o crescimento médio anual foi de 3,4%, ligeiramente maior que o registrado sob Ronald Reagan e muito maior que o crescimento nos governos dos dois Bushs.

Reagan ficou famoso por perguntar aos americanos se sua situação estava melhor do que quatro anos antes. A resposta, na verdade, era sim - a maioria das famílias tinha uma renda real mais alta em 1980 do que em 1976.

Mas as boas notícias econômicas vieram nos primeiros anos do governo Carter, enquanto seu último ano foi marcado pela alta do desemprego e pela disparada da inflação, graças em grande parte a um salto nos preços do petróleo.

E hoje, mais uma vez, temos uma economia que enfraquece e uma inflação em alta, por causa, em grande parte, do salto nos preços do petróleo.

Dito isso, não acredito que realmente enfrentamos algo comparável à estagflação dos anos 70. Por um lado, somos menos dependentes do petróleo: o PIB real dos EUA é o dobro do que era em 1979, mas o país consome apenas um pouco mais de petróleo. Por outro, não há sinais da espiral de salários e preços que no passado elevou a inflação para dois dígitos. Na verdade, o crescimento dos salários vem diminuindo, ainda que a inflação aumente.

Muito mais provável é que tenhamos uma economia similar à do início dos anos 90, só que pior.

O primeiro presidente Bush enfrentou a recessão de 1990-91. Mas seu verdadeiro problema veio durante a suposta recuperação, que foi comprometida por problemas financeiros em muitos bancos, resultantes do estouro da bolha imobiliária no fim dos anos 80, e pelo consumo baixo por causa dos altos níveis de endividamento doméstico.

Como resultado, o índice de desemprego continuou subindo, só atingindo o pico de 7,8% em junho de 1992.

Se tudo isso soa familiar, não é à toa. Muitos economistas apontaram os paralelos entre a atualidade e o início dos anos 90: outra bolha imobiliária, o subprime desempenhando mais ou menos o mesmo papel outrora exercido pelos empréstimos ruins das instituições de poupança e crédito, problemas financeiros por toda parte.

A diferença é que os problemas parecem muito piores hoje: uma bolha muito maior, mais problemas financeiros, maior endividamento do consumidor - e a disparada dos preços do petróleo completando o quadro.

Assim, se a história serve de referência, devemos esperar um longo período de fraqueza econômica, provavelmente entrando em 2010 e com grande possibilidade de avançar ainda mais.

O próximo presidente pode fazer algo para evitar esse desfecho? Em termos estritamente econômicos, a resposta é um claro ¿sim¿.

Não está claro o que Carter poderia ter feito de diferente: a estagflação é um problema sem boas soluções. Mas o gasto em baixa é uma condição que tem tratamento.

Um plano de estímulo fiscal sério - que enfatizasse o investimento e a ajuda pública aos americanos em dificuldades econômicas, em vez de restituições de imposto que muitas pessoas não gastarão - poderia fazer muito para aliviar o sofrimento econômico do país.

Politicamente, no entanto, é difícil imaginar isso acontecendo.

Se o próximo presidente for republicano, será refém da doutrina segundo a qual cortes de impostos são a resposta a todos os problemas e, por isso, não buscará uma resposta efetiva aos problemas da economia.

E mesmo que o próximo presidente seja democrata, qualquer plano de estímulo sério enfrentará uma oposição intensa e ideologicamente motivada no Congresso. O novo presidente estará preparado para lutar por um plano efetivo? Ou acabará com um acordo como aquele que os congressistas democratas aceitaram este ano, uma lei que suaviza as objeções conservadoras ao preço de minar a eficácia do plano? Até recentemente, eu pensava que a grande luta política diante do próximo presidente deveria girar em torno da reforma da saúde. Neste momento, contudo, parece que o primeiro compromisso do novo governo será, obrigatoriamente, tratar de uma economia fraca.

E, se a ação efetiva não vier logo, o próximo presidente terá o destino de Jimmy Carter, que começou seu governo com palavras empolgantes - ¿Vamos criar juntos um novo espírito nacional de unidade e confiança¿ - e acabou entregando os EUA à direita linha-dura.

* Paul Krugman escreve para o `The New York Times¿

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