Título: Confronto corporativo
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/03/2008, Notas e Informções, p. A3

A seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) foi condenada pela Justiça Federal a pagar R$ 50 mil a um juiz trabalhista de Cubatão, por danos morais. Ele foi incluído na ¿lista de inimigos¿ da entidade em 2007, por iniciativa de um advogado que se sentiu ofendido em ação julgada pelo magistrado. Este foi mais um episódio da briga intermitente entre juízes e promotores e a OAB. Esta fase das escaramuças foi inaugurada quando o procurador-geral de Justiça de São Paulo, Rodrigo Pinho, classificou como ¿fascistas¿ os expedientes que a OAB vem utilizando para criticar juízes e promotores que desrespeitam as prerrogativas profissionais da categoria.

Os últimos choques ocorreram em sessões de desagravo - uma patrocinada pelo Ministério Público, em solidariedade a três promotores, e outra promovida pela OAB paulista, com a presença de antigos presidentes da entidade - nas quais os oradores trocaram ásperas acusações. E, na decisão em favor do juiz trabalhista de Cubatão, a Justiça Federal afirmou que a OAB não pode continuar agindo como ¿uma Serasa das autoridades¿.

A pendenga entre as corporações jurídicas começou há alguns anos quando alguns dirigentes de seccionais da OAB ameaçaram negar o registro profissional a magistrados e promotores depois que deixassem seus cargos públicos, o que os impediria de advogar. E ¿esquentou¿ quando as seccionais de São Paulo e do Rio de Janeiro passaram a divulgar ¿listas negras¿ de desafetos pela internet. Na época, sites jornalísticos especializados no setor forense, como o Consultor Jurídico, classificaram a elaboração das listas como ¿campanha de caça¿ da OAB aos seus inimigos. Com 180 nomes, a primeira lista divulgada pela OAB paulista incluiu, além de integrantes do Ministério Público e do Judiciário, delegados de polícia, serventuários judiciais, parlamentares, gerentes de banco e até jornalistas.

Muitos magistrados foram incluídos nas ¿listas negras¿ por se recusarem a receber advogados fora das audiências. Alguns delegados e promotores foram acusados de invadir escritórios de advocacia. Serventuários judiciais foram incluídos por não terem acolhido reivindicações feitas por advogados. E os jornalistas, por terem, no exercício da liberdade de opinião assegurada pela Constituição, criticado a OAB em reportagens. A entidade alega que ela é ¿uma trincheira de resistência¿ a condutas autoritárias e que os profissionais por ela ¿listados¿ teriam, de algum modo, ¿dificultado o exercício da advocacia¿.

Em resposta, associações de juízes e promotores afirmam que o verdadeiro objetivo da corporação seria retaliar quem não cede a pressões de seus integrantes. Elas acusam os advogados de utilizar as ¿listas negras¿ com o objetivo de intimidar servidores dos poderes públicos - e até funcionários de empresas privadas - que têm regras e procedimentos para cumprir e não podem acolher reivindicações absurdas. As mais recorrentes seriam o atendimento fora de expediente e a reivindicação de salas, elevadores e estacionamentos privativos.

Foi numa dessas trocas de acusações que o procurador Rodrigo Pinho acusou a OAB de recorrer a ¿métodos fascistas e macarthistas¿ e classificou a elaboração e a divulgação das ¿listas negras¿ como iniciativa ¿ignominiosa¿ e ¿excrescência incompatível com o regime democrático¿.

Todas as partes se excederam. Mas o fato é que a criação de um ¿cadastro de desafetos¿ pela OAB e a tentativa de aplicar sanções a quem nem mesmo pertence à entidade configuram um comportamento despropositado, pois não cabe aos advogados julgar promotores e juízes.

A denúncia de eventuais abusos praticados por esses profissionais tem de ser formalmente encaminhada pela OAB às corregedorias do Poder Judiciário e do Ministério Público. Pelo próprio Estatuto da Advocacia, o máximo que os advogados podem fazer, além disso, é promover atos de desagravo quando um colega for ofendido no exercício da profissão. Não cabe à corporação de ofício criar ¿listas negras¿ de desafetos e divulgá-las na internet com o indisfarçado objetivo de constranger e intimidar. Se no passado a OAB soube defender a democracia e as liberdades fundamentais, hoje, o que ela defende são interesses corporativos menores.

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