Título: China e Vaticano, mais próximos
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/02/2008, Vida&, p. A27

Relações conflituosas são gradativamente amenizadas; há a expectativa de uma visita de Bento XVI ao país

The Sunday Times

Entusiasmados com uma possível visita histórica do papa Bento XVI à China, líderes chineses autorizaram a retomada de discussões confidenciais com o Vaticano, com o objetivo de acabar com as desavenças e estabelecer relações diplomáticas. As conversações intensificaram-se nos últimos meses, levando observadores em Pequim a acreditar que os chineses gostariam de anunciar um acordo antes dos Jogos Olímpicos, que começam em agosto.

Liu Bainian, chefe de fato da Igreja Católica oficial (subordinada a Pequim, e não ao Vaticano), declarou em diversas ocasiões que gostaria de receber o papa. O Vaticano diz não ter recebido nenhum convite oficial e, nos bastidores, nega a intenção (leia texto abaixo), mas observadores dizem que Liu só teria feito a declaração com aprovação do alto escalão.

Um anúncio de reconhecimento mútuo e uma visita papal constituiriam um grande golpe de propaganda para a China, contrapondo-se à publicidade negativa que tem aturdido Pequim e culminou com a decisão do cineasta Steven Spielberg de romper sua ligação com os Jogos Olímpicos por causa das políticas da China no Sudão. ¿Os contatos estão avançando e estamos muito otimistas¿, disse uma autoridade da Igreja.

Ambos os lados têm mantido a máxima discrição, mas fontes próximas das discussões, realizadas em Pequim, dizem que elas chegaram a um estágio aprofundado e sério. Uma autoridade do Vaticano disse que a idéia de uma visita antes dos jogos, que começam em 8 de agosto, era ¿bastante irrealista¿. Mas, segundo diplomatas, o mero anúncio de uma futura visita seria uma dádiva em termos de relações públicas para a China.

O cenário para uma possível reconciliação entre a Igreja Católica Romana e o maior país oficialmente ateu do mundo foi criado por uma série de ações cuidadosamente acertadas. Na China, existem de 8 milhões a 12 milhões de católicos, mas suas congregações estão divididas entre a Associação Patriótica (a Igreja Católica oficial), e a igreja clandestina, fiel ao papa, cujos membros foram martirizados e presos desde a Revolução Comunista em 1949.

Em junho, o papa enviou carta aos católicos chineses na qual elogiou a devoção da igreja clandestina, mas insistiu na unidade entre os cristãos. Ele reiterou a necessidade de obediência ao Vaticano, que alguns interpretaram como sinal de que o papa deseja colocar o clero clandestino na linha para uma mudança de política.

Em setembro, o Vaticano e a China chegaram a um acordo sobre a nomeação do novo bispo de Pequim, Li Shan. Isso sinalizou que um compromisso poderia ser alcançado na questão mais difícil: o poder para nomear o clero.

Em 1951, o comitê central do Partido Comunista fez do controle da igreja pela China um princípio fundamental do governo, ao afirmar que ¿os invasores e espiões estrangeiros em religião devem ser erradicados¿. Em dezembro, o Politburo reuniu-se para o que historiadores do partido dizem ter sido a primeira reunião inteiramente consagrada a uma sessão coletiva de estudos de religião. O presidente Hu Jintao e os homens mais poderosos da China permaneceram sentados, assistindo às apresentações de especialistas explicando o cristianismo e as crenças chinesas tradicionais.

A agência estatal de notícias Xinhua fez um relato objetivo das apresentações sem os habituais insultos à religião como um resquício feudal ou ópio do povo. Também sem precedentes foram as próprias observações de Hu sobre a reunião: ¿O partido e o governo devem estender a mão para os fiéis religiosos em dificuldades e ajudá-los a solucionar seus problemas.¿ O presidente reconheceu que as religiões foram presença constante no país e elogiou o papel que podem desempenhar para a harmonia e a estabilidade social.

As coisas avançaram mais rápido no fim de janeiro, quando Liu Jianchao, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, declarou que ¿a China vem pensando persistentemente em melhorar o relacionamento com o Vaticano¿.

Existem também alguns sinais tácitos da parte do Vaticano, que informou que o cardeal Joseph Zen, de Hong Kong, há muito tempo o mais feroz crítico da igreja oficial chinesa e um franco defensor da democracia e da liberdade, deverá se aposentar em pouco mais de um ano. Outro grande obstáculo ao reconhecimento mútuo, que são os laços do Vaticano com Taiwan, pode ser resolvido. Para grande desalento de muitos católicos chineses, o Vaticano está disposto a deslocar sua embaixada de Taipei para Pequim. ¿Não é questão de rompermos relações com Taiwan, mas temos a obrigação de difundir os valores do Evangelho¿, disse uma autoridade do Vaticano.

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