Título: Voltam as apostas no descolamento
Autor: Dantas, Fernando
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/02/2008, Economia, p. B3

Países emergentes, como Brasil, dão novas provas de resistência à desaceleração da economia dos EUA

O descolamento está de volta. A idéia de que a economia brasileira e de boa parte dos países emergentes possam resistir satisfatoriamente à forte desaceleração nos Estados Unidos, que parecia otimismo exagerado no pior momento da crise dos mercados em janeiro, ganha força de novo, embalada pela impressionante safra de boas notícias.

No caso do Brasil, além do fato de tornar-se credor do mundo pela primeira vez em sua história, os indicadores de atividade econômica permanecem cintilantes, a inflação cedeu ligeiramente, o dólar bateu o recorde de baixa desde maio de 1999 e a bolsa subiu 20% de um mês para cá, recuperando todas as perdas do ano.

¿O pessoal que achou que iria acontecer com os emergentes o que ocorreu na crise da década de 90 quebrou a cara¿, diz Otaviano Canuto, vice-presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Ele observa que, ao contrário daquela época, as principais economias emergentes estão numa posição muito mais sólida em termos de contas externas e fiscais. Com isso, países como China, Índia e mesmo o Brasil têm condição de prosseguir expandindo os seus gastos ¿autônomos¿: despesas de investimento, como as gigantescas obras de infra-estrutura na China; gastos públicos; e as despesas ligadas a melhorias internas, como a explosão do consumo puxado pelo crédito no Brasil.

Alexandre Schwartsman, economista-chefe do ABN Amro para a América Latina, buscou demonstrar, num recente relatório, que já há sinais de que o mundo como um todo descolou-se do desempenho da economia americana.

Tomando as importações, um sintoma do que ocorre com a demanda, Schwartsman verificou que, ao contrário do padrão dos últimos 15 anos, a desaceleração americana não foi acompanhada pelo resto do mundo até agora. As importações americanas, que cresciam a um ritmo de 13,9% ao ano no fim de 2005, desaceleraram para 5,4% recentemente. O ritmo de crescimento das importações do resto do mundo, porém, saiu de 13,7% para 15,3% no mesmo período.

Em outro trabalho recente, Schwartsman indicou que o principal canal de transmissão entre a economia global e a brasileira é o preço das commodities, que aumentam as receitas de exportação e permitem que as importações cresçam para saciar o excesso de demanda doméstica, sem criar desequilíbrios nas contas externas. Para ele, porém, ¿não há um cenário plausível para o derretimento do preço das commodities¿, que seria o maior risco para um país como o Brasil.

Na verdade, como lembra Luiz Fernando Figueiredo, sócio da Mauá Investimentos, as commodities agrícolas já subiram 15% em 2008 e as industriais (que incluem metais, aço, energia), 19%. Ele também aponta produtos cruciais na pauta exportadora do Brasil, como a soja, que subiu 16%, e o minério de ferro, pelo qual a Vale já obteve aumentos de 65% (e 71%, no caso de Carajás).

Figueiredo observa que é importante separar o mercado financeiro, onde há menos descolamento, da economia real, na qual países como a China e o Brasil são beneficiados por ¿uma situação externa super favorável, um sistema financeiro intacto e uma demanda doméstica robusta¿.

Para Ilan Goldfajn, sócio da Ciano Investimentos, ¿é inédito o fato de os emergentes estejam se virando mesmo com o mundo desenvolvido em desaceleração¿. Ele observa que o Brasil está sendo particularmente beneficiado por ser ¿a cara metade da China - eles crescem e a gente fornece tudo que eles precisam, como ferro, soja, etc¿.

O economista reconhece que estava mais desconfiado em relação à teoria do descolamento, mas agora resolveu, provisoriamente, ¿suspender a incredulidade¿.

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