Título: Julgamento deve apontar falha na lei
Autor: Recondo, Felipe
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/03/2008, Vida &, p. A20
Tendência do STF é liberar pesquisa, mas ministros dizem que descarte de embrião e fiscalização ainda são problema
A tendência dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) de liberar as pesquisas com células-tronco embrionárias não livrará de críticas a Lei de Biossegurança, aprovada em 2005 pelo Congresso, que liberou os estudos. Os ministros, mesmo aqueles que defendem as pesquisas, concordam que a legislação brasileira é falha.
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Os dois votos já dados pela liberação das pesquisas, dos ministros Carlos Ayres Britto e Ellen Gracie, ignoraram esses problemas, mas pelo menos cinco ministros adiantaram que devem tratar do assunto quando o processo voltar à pauta. Alguns deles apostam que isso acontecerá só no final de abril.
Um dos problemas centrais não solucionados pela lei é a falta de regulação das clínicas de fertilização in vitro. A prática é adotada há décadas, mas não há lei no Brasil que trate do assunto. ¿Quem faz a fiscalização? Ninguém¿, disse a professora de Antropologia da Universidade de Brasília e pós-graduada em Bioética Débora Diniz.
Outro problema é decidir o que será feito com os embriões vetados para pesquisas e que não forem usados para a reprodução. A lei define que apenas os embriões inviáveis ou congelados há mais de três anos podem ser usados para pesquisas.
Uma possibilidade para resolver o problema, adiantou um ministro, é liberar as pesquisas em todos os embriões. Como os ministros devem julgar que os embriões não têm direito à inviolabilidade da vida, e por isso podem ser estudados, não haveria motivo de distinção entre os congelados há mais de três anos e os novos. Outra questão que será discutida no plenário é a necessidade de impor aos comitês de ética dos institutos a submissão a um conselho único, que ficará responsável por dar a palavra final sobre os estudos.
Há ainda a falta de estrutura da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para fiscalizar as clínicas. Com isso, dizem outros ministros, os médicos responsáveis poderão dar embriões por inválidos só para liberá-los às pesquisas. Apesar de detectar essas falhas, os ministros do STF não podem atuar no lugar do Congresso e saná-las. Por isso, estudam uma alternativa a ser discutida no julgamento. Assim, a lei não seria simplesmente declarada constitucional ou inconstitucional.
Uma decisão do Supremo nesse tom seria também um recado para que o governo envie ao Congresso uma legislação acurada para tratar do tema. De acordo com Débora Diniz, a discussão já está em curso entre o Ministério da Saúde e os cientistas.
O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, classificou ontem como frustrante o adiamento da decisão. ¿Enquanto não houver uma decisão definitiva, isso sem dúvida atrasa as pesquisas e retarda os investimentos.¿
O ministério tem investido em programas que teriam de ser interrompidos caso a lei seja considerada inconstitucional. Um deles é a Rede Brasileira de Terapia Celular, que deve ser lançada em breve pelo governo. COLABOROU FABIANA CIMIERI