Título: Apesar de ameaça de retaliação, Espanha deporta 20 brasileiros
Autor: Sant¿Anna, Lourival; Domingos, João
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/03/2008, Metrópole, p. C1

No ano passado, em média 261 brasileiros foram devolvidos por mês; em 2006, média era de 20 por mês

Além de convocar o embaixador para dar explicações sobre o tratamento ¿indigno¿ e ¿inadequado¿ dispensado aos 30 cidadãos brasileiros que foram impedidos anteontem de entrar na Espanha, o Itamaraty ameaçou ontem submeter os passageiros daquele país que desembarcarem aqui aos mesmos controles - e também deportá-los. A ameaça foi anunciada em uma nota oficial, onde o Itamaraty diz que ¿está examinando a adoção de medidas apropriadas em resposta ao ocorrido (no aeroporto de Madri), tendo em conta, inclusive, o princípio da reciprocidade¿.

Apesar disso, 20 brasileiros foram deportados ontem, incluindo dois pesquisadores do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio (Iuperj), que só queriam fazer conexão para Lisboa, para participar de um congresso da Associação Portuguesa de Ciência Política. Pedro Lima e Patrícia Rangel devem embarcar hoje às 12h05 no vôo 6025 da Iberia, com previsão de chegada ao Rio às 18h40.

O Itamaraty ressaltou na nota oficial que a Espanha é reincidente no tratamento ¿incompatível com o bom nível de relacionamento entre os dois países¿. Lembra que, ¿há poucas semanas¿, o ministro Celso Amorim (Relações Exteriores) já ¿havia manifestado ao chanceler espanhol (Miguel Angel Moratinos) a insatisfação em relação às restritivas e ressaltado a importância de que se conceda tratamento digno e adequado aos cidadãos brasileiros¿.

Amorim, que está na República Dominicana, tomou conhecimento ¿com profundo desagrado¿ de que 30 brasileiros foram retidos em Madri. A deportação de brasileiros no aeroporto de Madri-Barajas aumentou mais de 20 vezes em dois anos. Em 2006, a média de deportações de brasileiros era de 20 por mês. No ano passado, foram deportados 3.137, ou 261 por mês. Em janeiro, o número saltou para 300 e em fevereiro, para mais de 400.

Antes de o Itamaraty divulgar a nota em que ameaça adotar o princípio da reciprocidade em relação aos espanhóis, o secretário-geral do Ministério das Relações Exteriores, Samuel Pinheiro Guimarães, convocou para uma conversa o embaixador Ricardo Peidró. Ele avisou que o Brasil pode, a qualquer momento, começar a exigir os mesmos documentos pedidos em Madri. Esse procedimento assemelha-se ao que foi adotado em 2004 em relação aos americanos, quando os brasileiros começaram a passar por revistas consideradas vexatórias, como a que os obrigava até a tirar os sapatos na chegada aos Estados Unidos.

Depois do encontro, Peidró fez questão de ressaltar que o grupo que foi barrado na quarta-feira não tinha documentos adequados para entrar na Espanha e uma retaliação seria ¿indevida, uma vez que a legislação migratória não é espanhola, mas sim européia¿. Além disso, nenhum dos detidos, ¿que não cumpria os requisitos de entrada em nenhum país da UE¿ é prisioneiro. ¿Estão alojados no aeroporto em boas condições.¿Peidró disse à agência EFE que 250 mil brasileiros passam pelo país por ano e são detidos pouco mais de 1%. Ainda assim, tentará ¿reforçar com o governo brasileiro a necessidade de informar os turistas sobre as regras da UE¿. Ele espera contar com o apoio das companhias aéreas.

O embaixador do Brasil em Madri, José Viegas Filho, já havia apresentado ontem queixa na Chancelaria da Espanha. E ouviu de um funcionário do gabinete do chanceler Miguel Ángel Moratinos que o Ministério de Relações Exteriores espanhol ¿está muito preocupado com o tema, e fazendo gestões internas para reduzir e impedir a repetição desses problemas¿. O controle fica a cargo da Delegacia de Imigração, subordinada ao Ministério do Interior.

Os funcionários seguem critérios objetivos para a recusa da entrada de passageiros, como a exigência de que tenham pelo menos 58 para gastar por dia de estada prevista ou a carta de um banco comprovando limite suficiente de cartão de crédito; passagem de ida e volta, comprovante de reserva de hotel ou, se vão ficar na casa de alguém, uma carta dos anfitriões, seguindo um modelo definido pela Delegacia de Imigração. E há também critérios mais subjetivos. Por exemplo, se a bagagem é muito volumosa, e contém roupas de verão quando se está no inverno, já é motivo de desconfiança.

A maioria dos ¿inadmitidos¿ encontra-se na faixa etária entre 20 e 35 anos. Eles aguardam julgamento de seu caso por um juiz, assistidos por um advogado público. Se sua deportação é confirmada, têm de esperar que a mesma companhia na qual vieram tenha assento disponível no vôo de volta. Isso pode demorar dias. Eles ficam numa área isolada do aeroporto, com sala e quartos com beliches. Há até brinquedos para as crianças, pois famílias inteiras ficam retidas. Recebem água e sanduíches. Na sala, o consulado-geral do Brasil colocou um cartaz com número de telefone, que eles podem chamar, comprando um cartão e usando um telefone público - os celulares são apreendidos.