Título: Cristina se irrita com Gabrielli
Autor: Guimarães, Marina
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/02/2008, Economnia, p. B7
Presidente da Argentina diz que palavras do presidente da Petrobrás vão contra 'espírito de solidariedade'
O governo argentino está 'profundamente irritado' com a declaração do presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli, de que 'o Brasil não cederá nenhuma molécula de gás à Argentina', feita durante passagem por Buenos Aires, na sexta-feira. A presidente Cristina Kirchner tratou ontem de deixar claro seu mal-estar com as declarações, em discurso na Casa Rosada. Para ela, as palavras de Gabrielli foram na direção oposta da solidariedade que os chefes de Estado da Argentina, do Brasil e da Bolívia, reunidos no sábado, decidiram adotar em relação à energia.
Cristina explicou que a reunião com os presidentes do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e da Bolívia, Evo Morales, teve 'como objetivo criar um grupo para administrar racionalmente o intercâmbio energético que se produz na região'. E recordou como funciona hoje o esquema: 'Nós recebemos gás da Bolívia, ao mesmo tempo em que fornecemos para Bolívia e Paraguai, por exemplo, gás em botijões. Recebemos energia elétrica do Brasil, mas também fornecemos, através de Uruguaiana, gás que o Brasil converte em energia. Ao mesmo tempo fornecemos gás e energia elétrica para Uruguai e Chile e o Uruguai também nos fornece energia elétrica'.
Nesse sentido, disse que 'administrar o sistema interconectado da região exige três princípios básicos: racionalidade, solidariedade e investimento'. Uma vez mais, Cristina evitou reconhecer a escassez de energia vivida pelo país há quatro anos, preferindo se referir à questão como um problema mundial.
FORTE PRESSÃO
Apesar da palavra solidariedade na boca dos três presidentes, nos últimos dias a disputa entre Brasil e Argentina pelo gás boliviano está longe de terminar. O governo argentino tomará decisões sobre os ativos e negócios que a Petrobrás têm no país para pressionar o Brasil a ceder parte do gás que importa da Bolívia, segundo informou o jornal local El Cronista.
'Além de reduzir o fornecimento de gás em suas operações, também se levantou a hipótese de obrigar a estatal brasileira a vender a sua participação de 27% na Edesur (companhia distribuidora de energia)', afirma o jornal.
Na semana passada, uma fonte do Ministério de Planejamento já havia indicado ao Estado que o ministro Julio De Vido 'faria o possível para conseguir gás e isso implicaria até rever o fornecimento de gás' para as usinas da Petrobrás na Argentina. De Vido já até fez as contas: as empresas da Petrobrás Energia, nome da subsidiária argentina da estatal, consomem cerca de um milhão de metros cúbicos diários. A central térmica de Campana, uma das principais do país, necessitaria de 2,5 milhões de m3/dia para funcionar.
'A irritação pela negativa de Gabrielli em ceder pelo menos uma molécula de gás acelerou a discussão sobre a venda da participação da Petrobrás na Edesur, abrindo a oportunidade da entrada de um sócio local', afirmou uma fonte do mercado próxima do ministro. Segundo o jornal, 'a pressão ficará focada na Petrobrás, elogiando outras empresas brasileiras (por exemplo, Camargo Correa) para demonstrar que o conflito não é com o país vizinho'.
MAIS ENERGIA
Ainda ontem, sem explicar de onde conseguirá os 4 milhões de metros cúbicos de gás que a Bolívia não poderá fornecer no inverno, Cristina garantiu que haverá energia suficiente para o país. Segundo ela, a Argentina tem 11% mais de eletricidade disponível que no ano passado.
'Este ano incorporamos 2.569 megawatts (MW) ao sistema elétrico nacional', afirmou, omitindo que cerca de 70% da matriz energética argentina é de gás. Segundo Cristina, aos 128,3 milhões de m3/dia serão incorporados outros 10 milhões de m3/dia, 'produto dos investimentos que temos feito que significam 8% no crescimento da oferta'.
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