Título: Mas, afinal, qual pedágio urbano?
Autor: Belda, Rogerio
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/03/2008, Economia, p. B2
O transporte nas grandes cidades brasileiras, neste início de século, está marcado pela predominância do uso do automóvel sobre outros modos de transporte. É uma tendência que se agrava como conseqüência da despercebida política de fazermos do automóvel a forma prioritária da circulação nas cidades. De fato, fomos do bonde para o ônibus e deste para os carros, movimento de substituição que ainda não encontrou o seu limite. Porém, se toda a população de uma cidade pudesse ter e usasse seu automóvel nas viagens diárias, o espaço urbano dedicado às vias, viadutos, estacionamentos, oficinas, postos, lojas e depósitos seria maior que o território normalmente ocupado pela cidade. Trata-se, portanto, de uma impossibilidade física. Se bem que algo parecido já foi tentado empiricamente em cidades norte-americanas, mas falam agora em gestão da demanda, retorno ao centro e revitalização dos transportes públicos.
Teremos no Brasil que percorrer o mesmo caminho para aprender a lição? Pelo ânimo dos atuais e potenciais donos de automóveis, caminhamos para o mesmo impasse. Há uma crença difusa de que é dever dos governantes encontrar meios e jeitos para que mais carros possam trafegar. Quem tem olhos e discernimento para ver e julgar as formas que já foram tentadas já percebe que não há mais soluções evidentes a serem adotadas, exceto a dos transportes públicos.
Como nunca tantos automóveis foram comprados como agora, espero que seus donos não ressuscitem a conclusão de que os agentes de trânsito provocam congestionamentos, posto que eles são sempre vistos onde há problemas. Ou, então, que existe uma indústria de multas prejudicando inocentes infratores. Essa é uma das mais persistentes ¿lendas urbanas¿, tais como as afirmações de que ler em ônibus em movimento provoca descolamento da retina, que comer abacate aumenta o colesterol e que ao entrar em um carro, na cidade, se está quase no paraíso...
Como estamos em um ano eleitoral, o tema do congestionamento estará na pauta de discussões. Entretanto, nenhum político imagina que pode ser eleito propondo medidas de restrição ao uso de automóveis nas grandes cidades. Contrariando essa posição, um grupo de técnicos aponta uma solução miraculosa: o pedágio urbano. Argumentam que aqueles que provocam sobrecarga de um bem público devem pagar pelo seu uso. Como não é mais aceitável tarifar o trânsito através do combustível, por causa da explosão dos preços do petróleo, a solução é o pedágio urbano, medida pioneira em Cingapura, sucesso em Londres e última moda em Estocolmo. Posto que são experiências diferentes, qual exemplo serviria para nós? O pedágio urbano pode ser cobrado pela entrada em um perímetro, pela circulação em uma área definida ou pelo acesso a uma via, como há muito tempo existe em Nova York.
No caso de Londres, o pedágio foi cogitado desde a década de 1960 e muitas outras medidas foram adotadas antes da sua implantação em 2003, após ter sido incluído na plataforma eleitoral de Ken Livingstone, prefeito eleito no ano 2000. Os problemas que eram temidos não ocorreram, mas foram surpresas a receita, menor que a esperada, e o custo de operação, o dobro do estimado.
Como seria um pedágio paulistano? Cobrança no perímetro do centro expandido? Cobrança pelo acesso à Avenida 23 de Maio ou pelo tráfego de passagem nas marginais? Ou cobrança para circular na Vila Olímpia, cuja área do sistema viário é inferior à demanda gerada pelo ¿boom¿ imobiliário?
Para pensar a respeito será necessário lembrar do que já foi feito e até esquecido, como as ruas de pedestre do prefeito Olavo Setúbal e o escalonamento de horários da prefeita Luiza Erundina. Será necessário dar continuidade à adoção de técnicas de gestão da circulação, como o rodízio de placas, horário para a circulação de cargas e a implantação dos corredores de ônibus realizada nas últimas décadas. Reconhecer que adotar o pedágio urbano, isoladamente, não é solução, e que devem ser consideradas também novas medidas de Gestão da Demanda, já mencionadas nos planos metropolitanos de transporte e avaliadas em estudo recente do Banco Mundial com a Prefeitura de São Paulo.
*Rogerio Belda é diretor da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), organização que congrega entidades governamentais e privadas dedicadas a estudos e atividades relacionados a transportes urbanos
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