Título: Operação do Fed muda o clima
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Fonte: O Estado de São Paulo, 12/03/2008, Notas E informações, p. A3
Liderados pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano), os maiores bancos centrais do mundo capitalista lançaram mais uma operação de socorro às instituições financeiras, num esforço para evitar quebras e para reduzir a insegurança e a turbulência nos mercados. A decisão do Fed foi tomada na segunda-feira, numa reunião de emergência, em novo esforço para conter a turbulência iniciada em 2007 com a crise das hipotecas imobiliárias. Foi a primeira resposta concreta ao sinal de alarme disparado no mesmo dia, em Basiléia, onde presidentes dos mais importantes bancos centrais debatiam as perspectivas da economia global.
Pela primeira vez em décadas, o mundo enfrenta pressões inflacionárias combinadas com o risco de estagnação nos Estados Unidos e noutras grandes economias industrializadas. O Fed anunciou na manhã de terça-feira a disposição de emprestar US$ 200 bilhões em ativos do Tesouro a instituições afetadas pelo arrocho do crédito interbancário. As autoridades monetárias da União Européia, da Inglaterra, da Suíça, do Canadá e do Japão confirmaram rapidamente a ação conjunta. Não se trata apenas de resgatar instituições financeiras em perigo. Se a crise bancária se aprofundar, o contágio dos setores produtivos será inevitável.
A reação nos mercados foi imediata. As bolsas européias inverteram o movimento e fecharam em alta, enquanto o dólar se valorizava diante do euro e do iene, recuperando uma fração do terreno perdido nas últimas semanas. A Bolsa de Nova York acompanhou a maré de otimismo e fechou em alta de 3,55%.
A nova intervenção não elimina o perigo de crise, porque os mercados de imóveis e de hipotecas ainda levarão algum tempo para estabilizar-se e as suas oscilações continuarão afetando os bancos. Mas a ação iniciada pelo Fed é bem mais efetiva do que as anteriores e atingirá não só os bancos comerciais, mas também os bancos de investimento e os fundos de hedge.
Essas instituições ficaram fora das outras operações de socorro. A última havia sido anunciada na sexta-feira, quando o banco central americano ampliou os leilões da linha especial de empréstimos aberta há alguns meses.
Por enquanto, a maior parte das economias em desenvolvimento, incluída a brasileira, pouco foi afetada pela crise do setor bancário internacional e pela desaceleração dos negócios nos Estados Unidos. Mas nenhuma economia ficará imune a uma recessão da economia americana que se reflita no ritmo do comércio.
Há, no entanto, elementos novos no cenário - não somente novos, mas quase inimagináveis há poucos anos. Segundo o presidente do Banco Central Europeu, Jean-Claude Trichet, os países emergentes têm ¿recursos preciosos¿ para promover o reequilíbrio da economia mundial, se forem capazes de promover o crescimento interno e usar seus superávits comerciais para aumentar as importações e ampliar os mercados disponíveis para as grandes economias à beira da estagnação. A China é o principal desses mercados, como observou o presidente do banco central brasileiro, Henrique Meirelles. O Brasil também pode ser um dos fatores de estabilidade mundial, se conseguir manter-se em expansão e ao mesmo tempo preservar a solidez de seus fundamentos macroeconômicos.
Mas também nessas economias há algumas zonas de sombra. A inflação chinesa atingiu em fevereiro o ritmo de 8,7%, em termos anualizados, e as autoridades de Pequim prometeram reconduzir a alta de preços a 4,8% até o fim do ano.
Não se sabe, ainda, como esse esforço afetará o crescimento econômico e o consumo, mas há razões para otimismo, dado o vigor crescente do mercado interno chinês.
No Brasil, os investimentos avançam e há sinais de recuo da inflação, mas o superávit comercial diminui com inesperada rapidez. A depreciação do dólar em relação ao real, nesta altura, reflete não apenas as condições da economia nacional, mas também os desarranjos no mercado global de câmbio.
O governo está certamente empenhado em manter um crescimento econômico razoável em 2008 e não precisa, para isso, do apelo de Trichet ou de outra autoridade financeira do mundo rico. Mas terá, neste ano, dificuldades muito maiores para combinar o crescimento da economia, o controle da inflação e a preservação da segurança externa penosamente conquistada.