Título: Brasil, Chile e Argentina agiram juntos nos bastidores
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/03/2008, Internacional, p. A16

Líderes dos três países convenceram Correa, Uribe e Chávez a conter crise

João Domingos

Brasil, Chile e Argentina operaram de maneira intensiva desde as primeiras horas depois do conflito envolvendo Colômbia, Equador e Venezuela para que a crise fosse resolvida no menor tempo possível, de forma a evitar que o tema contaminasse a reunião do Grupo do Rio, que começa hoje, em Santo Domingo, na República Dominicana. Nessa empreitada, cada um dos presidentes dos três países se incumbiu de uma tarefa diferente, de acordo com informações de bastidores da diplomacia brasileira.

Ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva coube a parte mais difícil, a de conversar com os presidentes da Colômbia, Álvaro Uribe, e do Equador, Rafael Correa, na segunda-feira pela manhã, pedindo que moderassem o linguajar. Lula ligou para Correa às 10 horas. Meia-hora depois, conversou com Uribe. A ambos disse que a crise deveria ser resolvida pela via diplomática. E se pôs à disposição dos dois para uma conversa pessoal.

À presidente do Chile, Michelle Bachelet, foi dada a missão de fazer o primeiro pronunciamento público a respeito da crise. Ela condenou a ação da Colômbia, por desrespeitar o direito internacional quando invadiu o território do Equador atrás de guerilheiros das Farc. Foi um ato planejado. Como o Chile já se envolveu em guerras com seus vizinhos, o apelo de Bachelet pela paz ganhou mais força e credibilidade internacional.

Finalmente, à presidente da Argentina, Cristina Kirchner, coube o papel de acalmar o amigo Hugo Chávez, presidente da Venezuela. Na segunda-feira, dois dias depois da invasão do Equador pelas Forças Armadas colombianas, Chávez conseguiu agitar o ambiente político.

TOM ÁSPERO

De acordo com a diplomacia brasileira, Correa e Uribe só subiram o tom de suas declarações depois que o presidente venezuelano anunciou que estava mobilizando tropas na fronteira com a Colômbia e que iria retirar o seu embaixador em Bogotá. Isso fez com que Correa fizesse o mesmo, além de anunciar o rompimento de relações com a Colômbia. Cristina reuniu-se ontem com Chávez, em Caracas.

A primeira atuação dos três presidentes foi para controlar os rompantes iniciais, mas eles definiram previamente que isso não seria suficiente e que era preciso tomar uma decisão sólida do ponto de vista diplomático e jurídico.

Por isso, em comum acordo com a Argentina e o Chile, e depois de consultado o setor diplomático, o presidente Lula autorizou o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, a conversar com o secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), José Miguel Insulza, e pedir a convocação de uma reunião de emergência da entidade.

Entregue a missão à diplomacia profissional, o assessor especial da Presidência da República para assuntos internacionais, Marco Aurélio Garcia, foi afastado das negociações. Marco Aurélio defendia a formação de um grupo sul-americano destinado a resolver a crise, sem passar pela OEA. Os diplomatas convenceram o presidente Lula de que a OEA tem na sua Carta - assim como a ONU - a condição de enquadrar juricamente o país-membro envolvido num impasse da mesma natureza do que foi provocado pela Colômbia.

Nesse caso, a pressão do Brasil - sempre com o apoio da Argentina e do Chile - foi a de levar a Colômbia a fazer um novo pedido de desculpas, agora sem nenhuma justificativa de suas ações em território do Equador. Feito isso, ficaria mais fácil para a própria Colômbia e também para a OEA contestar o presidente Rafael Correa sobre a presença de tropas das Farc em território equatoriano.

Assim, de forma coordenada, os governos de Argentina, Brasil e Chile condenaram a ação da Colômbia, qualificando-a de ¿inaceitável e gravíssima¿.

Em seguida, no devido tempo, iriam sugerir a Rafael Correa que fique longe das Farc - o que, segundo um auxiliar de Lula, foi falado durante a conversa de ontem entre os dois presidentes (leia na página 18).

De acordo com um auxiliar do presidente Lula, o Brasil não considera atenuante para a ação da Colômbia no Equador o fato de as Farc serem acusadas de agir como grupo terrorista. Isso porque, em direito internacional, um dos fatos mais graves é a violação territorial. E poderia justificar, por exemplo, uma eventual ação dos Estados Unidos numa comunidade do Rio de Janeiro, sob a justificativa de que estaria reprimindo o tráfico de drogas.

Além do mais, o Brasil segue a linha da ONU na classificação de grupos terroristas. Como a ONU só qualifica de terrorista a Al-Qaeda, o Brasil age da mesma forma. Mas dentro desse cuidado diplomático, o Brasil também não chama as Farc de ¿grupo beligerante¿ ou ¿insurgente¿, porque seria dar a elas um status que, na visão do governo brasileiro, elas não têm, visto que Álvaro Uribe foi eleito democraticamente.

Quanto ao presidente da Colômbia, o Brasil considera que sua ação no Equador visou muito mais ao público interno do que a uma repressão às Farc. Com a iniciativa, Uribe deverá conseguir aprovar facilmente a autorização para tentar o terceiro mandato em 2010.

Links Patrocinados