Título: Público fica entre frustração e esperança
Autor: Formenti, Lígia ; Recondo, Felipe
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/03/2008, Vida, p. A24
Grupos pró e contra pesquisas com células-tronco acompanharam julgamento no plenário e por telões
Lígia Formenti Felipe Recondo
Cerca de mil pessoas acompanharam ontem o julgamento da ação sobre o uso de células-tronco embrionárias em pesquisas científicas no Supremo Tribunal Federal (STF). Parte da platéia ficou frustrada com a interrupção do julgamento, mas o sentimento dos que são a favor das pesquisas com embriões era de alívio com o voto do relator, ministro Carlos Ayres Britto.
'O mais importante é que o ministro (Britto) focou na questão da constitucionalidade e evitou as discussões apaixonadas', disse Andrea Bezerra de Albuquerque, do Movimento Pró-Vida. Odair Daniel dos Santos, 25 anos, acompanhou tudo sentado na cadeira de rodas e se disse 'triste' porque o julgamento foi interrompido. Andrea e Odair foram duas das pessoas que começaram a fazer a fila para entrar no plenário por volta do meio-dia. Às 14h30, mesmo depois do início da sessão, ainda havia gente em frente do prédio do STF tentando entrar. Depois do intervalo, boa parte do público que lotava o STF foi embora. 'Vou voltar ainda hoje para São Paulo. O importante foi dar o recado', avaliou Fernandes Neto.
'Quais são as tribos que estão aqui? Os de camisa verde são do nosso grupo?', questionava, ainda antes de ingressar no prédio, o médico veterinário João Pacheco Neto. Paraplégico desde um acidente, Pacheco Neto chegou na manhã de ontem a Brasília, especialmente para assistir ao julgamento. 'Os argumentos de pessoas ligadas a movimentos religiosos não se sustentam. Embriões que seriam usados para a pesquisa não são viáveis para a vida', completou.
Quando o julgamento começou, grupos pró e contra pesquisas com embriões sentaram-se no chão, lado a lado, para assistir, diante de um telão, à leitura dos votos. No lado de fora, circulavam partidários dos dois grupos, dispostos a dar entrevistas, mostrar o quanto seus argumentos eram mais fundamentados. Uma pessoa com problemas musculares chegou a sair da cadeira de rodas e a rastejar para mostrar por quanta dificuldades passava.
A geneticista Mayana Zatz, uma das maiores defensoras das pesquisas com células-tronco embrionárias, despertou boa parte das atenções. 'Tenho certeza que pessoas contrárias à pesquisa mudariam de idéia caso tivessem um contato mais próximo, como o que eu tenho, com portadores de doenças.'
ADVOGADOS
Apesar do ambiente emocional na platéia e do clima de fundamentalismo criado nas últimas semanas entre defensores e críticos das pesquisas, os advogados das duas partes evitaram qualquer argumento que pudesse gerar confronto ou mesmo um desconforto no plenário do STF. O advogado da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Ives Gandra Martins, foi o primeiro a tirar do debate questões religiosas e fontes de polêmica nesse julgamento. 'A CNBB está representando a posição da sociedade e não da religião. A ciência é uma das preocupações da Igreja', afirmou o jurista.
O advogado-geral da União, José Antonio Dias Toffoli, reforçou o tom de diplomacia. 'Não vejo nenhum problema na atuação da Igreja nesse processo. Ela tem todo o direito de se fazer presente', afirmou.
Nesse clima, as ponderações das duas partes resumiram-se a argumentos técnicos. Ives Gandra enfatizou que o Supremo não poderia, com sua decisão, relativizar o que é vida. E propôs, como destino para os embriões hoje congelados, a adoção por casais que não pudessem ter filhos.
Toffoli, que defende o governo e a liberação das pesquisas, rebateu. Disse que o Estado não teria poder para obrigar uma mulher a doar seus embriões ou a implantá-los no próprio útero para que nascesse uma criança.
Além disso, citou a diferença entre as punições previstas no Código Penal para os crimes de homicídio e aborto para dizer que a lei brasileira não trata o feto como pessoa. 'A legislação não trata o feto como um ser humano. Ela protege a expectativa de vida, mas não trata como vida humana. O que falar então do embrião congelado, que sequer feto é?'
Pelo Código Penal, a pena prevista para homicídio varia de 6 a 20 anos de detenção. Para a mulher que pratica o aborto, a punição máxima é de três anos de detenção.
O último dos advogados a falar, Luís Roberto Barroso, que representou o Movimento em Prol da Vida (Movitae), favorável às pesquisas, procurou tirar o julgamento do debate de quando a vida começa e focá-lo na discussão do que seria feito com os embriões congelados caso o STF proibisse as pesquisas.
'As pesquisas serão cessadas, mas os embriões ficarão no mesmo lugar. Estaríamos sacrificando a ciência por coisa nenhuma? Porque nada do que se decidir afetará o futuro desses embriões', enfatizou.
FRASES
Ives Gandra Advogado da CNBB
'Destruir ovo de tartaruga é crime ambiental. Mas a destruição do embrião humano não seria?'
José Antonio Dias Toffoli Advogado-geral da União
'A legislação não trata o feto como ser humano. Ela protege a expectativa de vida, mas não trata como vida humana. O que falar então do embrião congelado que sequer feto é?'
Leonardo Mundim Advogado do Congresso
'Não se pode falar que é uma pessoa o embrião que não está no útero. Há 40 anos, a medicina usa células-tronco adultas, mas até hoje não conseguiu transformá-las em neurônio funcional, por exemplo'
Luís Roberto Barroso Advogado do Movitae
'As pesquisas serão cessadas, mas os embriões ficarão no mesmo lugar. Estaríamos sacrificando a ciência por coisa nenhuma? Porque nada do que se decidir afetará o futuro desses embriões'
Oscar Vilhena Advogado da ONG Conectas
'A lei visa à maximização do direito à vida daqueles que perderam suas expectativas'