Título: Sistema adivinha o que cérebro vê
Autor: Orsi, Carlos
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/03/2008, Vida, p. A25

Modelo de computador reproduz, ainda que de forma rudimentar, o que se passa no córtex visual primário

Carlos Orsi

Há vários meios que permitem a um mágico realizar o truque de 'ler mentes' e, por exemplo, descobrir qual das cartas do baralho você escolheu, mas nenhum deles envolve a decodificação direta da atividade fisiológica do cérebro - até agora. Na edição desta semana da revista Nature, uma equipe de pesquisadores da Universidade da Califórnia em Berkeley relata a criação de um sistema capaz, ainda que de modo rudimentar, de ler a mente humana, traduzindo o que se passa no córtex visual primário do cérebro.

'Construímos um modelo de computador da parte inicial do sistema visual que é capaz de pegar uma imagem qualquer, como dado de entrada, e prever a atividade neural que será o dado de saída', explica, em entrevista por e-mail, o principal autor do trabalho, Jack Gallant. 'É como uma transformação matemática.'

De posse da previsão feita pelo computador, os pesquisadores são capazes de executar a operação oposta: comparar o gráfico gerado pelo programa com uma leitura real de ressonância magnética funcional (fMRI) e, assim, 'adivinhar' para qual imagem o paciente está olhando. Nos testes descritos na Nature, realizados com dois voluntários - ambos co-autores do artigo -, o processo acertou a 'adivinhação' de 80% a 90% das vezes, para uma galeria de até mil imagens.

Os pesquisadores estimam que, num conjunto de 1 bilhão de imagens - aproximadamente o mesmo total catalogado pelo Google -, o sistema acertaria cerca de 20% das vezes. 'Se uma pessoa sob fMRI do cérebro fosse escolher uma imagem ao acaso na internet, nossos dados sugerem que seríamos capazes de usar a medição de atividade cerebral para identificar a imagem exata uma em cada cinco vezes', diz nota divulgada pelos autores do trabalho. Gallant acredita que o mesmo tipo de abordagem poderá funcionar para os demais sentidos - audição, olfato, paladar, tato -, mas não garante que seja possível chegar a ler emoções, por exemplo. 'Não sabemos o suficiente sobre as partes não-sensoriais do cérebro.'

FILME COM IMAGEM DE SONHO

No entanto, mesmo reconhecendo limitações, os criadores da técnica acreditam que ela tem muito potencial. O trabalho sugere que a ressonância magnética funcional do cérebro contém muito mais informação do que se imaginava, e que um dia poderá ser possível decodificar o conteúdo de experiências sensoriais em tempo real. Imagens produzidas na memória, em sonhos e na imaginação também poderiam, em princípio, ser captadas pelo método.

A tecnologia pode ser aplicada na criação de interfaces entre cérebro e máquinas, para controle de próteses diretamente pelo pensamento.

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