Título: Mercosul precisa ir além do comércio
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/03/2008, Internacional, p. A28

Destaque da geração pós-revolução, chanceler recusa-se a falar sobre Fidel, mas ressalta liderança do Brasil na região

Um dos pilares do regime cubano, Felipe Pérez Roque, afirma que Havana espera que o Brasil lidere uma ampliação do Mercosul para toda a região para que, no futuro, Cuba também possa ser incluída no bloco. Em entrevista ao Estado, o ministro das Relações Exteriores cubano destacou que a relação entre Brasília e Cuba promete ser ¿excelente nos próximos anos¿, Pérez Roque defendeu a política externa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pediu que o Mercosul tenha ¿uma dimensão além da comercial¿.

Antes da entrevista, assessores do chanceler informaram que ele não responderia a perguntas sobre a situação interna de Cuba, ¿diante da normalidade¿ que vive o país. Ontem, Pérez Roque ainda convocou embaixadores na sede da ONU em Genebra para uma reunião privada, na qual reforçou a necessidade de relançar o Movimento dos Países Não-Alinhados.

O Estado obteve uma cópia do discurso de Pérez Roque, que indicou a vontade política de Havana de retomar a idéia do grupo criado durante a Guerra Fria. Em nenhum momento do pronunciamento de 30 minutos o chanceler tocou no nome do atual presidente, Raúl Castro, ou do irmão dele, Fidel. A saída de Fidel da presidência também não foi citada, apesar de o discurso ter sido o primeiro num organismo da ONU desde a indicação e posse de Raúl, no domingo.

Para embaixadores que estavam no encontro, o esforço de Cuba busca demonstrar que nada mudou com a saída de Fidel. Para diplomatas andinos, ao enfatizar a necessidade de união, Havana quer garantir que não ficará isolada nem será pressionada a abrir o regime diante do afastamento de Fidel.

Nascido em 1965, o chanceler é um dos poucos membros do governo da geração pós-revolução. Engenheiro, líder estudantil e chefe de gabinete de Fidel por dez anos, Pérez Roque foi um dos três pilares do governo no período em que o ex-presidente esteve doente. Por sua idade, é considerado como possível substituto de Raúl. Eis os principais trechos da entrevista:

Nessa nova etapa em Cuba, como o sr. avalia o futuro das relações com o Brasil?

Nossas relações são muito boas e serão excelentes nos próximos anos. O Brasil tem um papel muito importante na América do Sul e na América Latina por suas dimensões, população, cultura e pela força de sua economia. Por isso, Cuba considera que o Brasil seja chave para o futuro da região.

O sr. espera algum tipo de transformação da política externa brasileira em relação a Cuba com as mudanças recentes em Havana?

Em Havana, consideramos que a política externa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva é muito adequada e apreciamos os esforços do País para aproximar-se do Caribe, de seus vizinhos e da África. Apreciamos muito a continuidade da política externa do Brasil.

O governo Lula indicou que não seria impossível pensar na inclusão de Cuba no Mercosul. O sr. apóia a entrada de Cuba no bloco?

Já temos um acordo 4+1 (Brasil, Uruguai, Paraguai, Argentina e Cuba) para temas de cooperação e certos pontos comerciais.

Mas o sr. apóia um aprofundamento desse acordo?

Certamente. Esperamos que o Mercosul possa se aprofundar e se ampliar para que passe a ser uma iniciativa de integração sul-americana e, depois, de toda a América Latina. O Brasil, em todo esse processo, terá um papel central.

No Cone Sul, há ainda muita discussão sobre que modelo de Mercosul seria mais adequado para a região. Que tipo de Mercosul o sr. considera mais benéfico?

Um Mercosul que não seja apenas comercial. Mas que também trate de uma integração política e social para que possamos lutar contra a pobreza. Precisamos de um Mercosul além das dimensões comerciais.