Título: Argentina muda critérios para baixar inflação oficial
Autor: Guimarães, Marina
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/03/2008, Economia, p. B17

Projeto do secretário de Comércio Interior entra em vigor dentro de 15 dias e leva em conta somente os preços mais baixos da economia

A estratégia do secretário de Comércio Interior argentino, Guillermo Moreno, é medir somente os preços mais baixos da economia para que a inflação oficial feche em 8% este ano. O projeto de Moreno já vem dando voltas no governo desde o segundo semestre de 2007, e caiu primeiro na mesa do então ministro da Economia, Miguel Peirano, que não comprou a idéia e acabou demitido.

Depois disso, o projeto foi aprovado e até anunciado durante a campanha presidencial de Cristina Kirchner. Agora, segundo o chefe de gabinete da Presidência, Alberto Fernández, o novo índice deve entrar em vigor dentro de 15 dias.

A principal defesa oficial para a mudança, como argumentou recentemente o vice-presidente Julio Cobos, é de que ¿o novo índice é mais apropriado para uma Argentina que cresce a uma média de 8,5% nos últimos cinco anos, e onde os hábitos de consumo são diferentes da época da conversibilidade (quando um peso valia o mesmo que um dólar) ou dos anos da crise¿. Em janeiro, o primeiro teste do IPC de Moreno apontou inflação de 0,4%, menos da metade do índice oficial de 0,9% medido pelo Instituto Nacional de Estatística e Censos (Indec), bastante questionado por economistas do país.

As principais mudanças nos cálculos implicam que, quando se tratar de produtos sazonais, só serão considerados aqueles mais baratos. Os planos de saúde, que costumam ter aumentos de mais de 15%, terão um cálculo diferenciado, entrando na cesta do IPC somente uma cota extraordinária, o que se traduz em aumento simbólico e não o real. A cesta de consumos contemplará basicamente os produtos usados pela população mais pobre, com preponderância dos alimentos controlados pelos acordos de estabilidade de preços.

Mesmo o conteúdo da cesta de alimentos terá variação mensal de acordo com a estação, já que alguns produtos praticamente desaparecem durante as mudanças de clima, elevando seus preços às alturas. Tudo indica que os artigos mais medidos serão aqueles vendidos nas grandes redes de supermercados, com as quais Moreno tem acordos de estabilidade. As viagens ao exterior, que tinham desaparecido do mapa na crise, voltam com força a cada ano de crescimento do país, elevando o item turismo do IPC.

Como quem viaja ao exterior pertence à classe média alta, essas viagens não serão medidas, nem os demais serviços e bens considerados não aptos para as classes de menores recursos, como as escolas particulares.

Para controlar ainda mais os preços, Moreno montou uma equipe de 30 economistas para checar os custos de produção das empresas em setores sob suspeita de preços exagerados. Para Aldo Abram, da consultoria Exante, ¿vai ser muito difícil recuperar a credibilidade do IPC com essa medição¿. A suspeita dos analistas é de que o índice foi desenhado para atender às necessidades do governo de baixar a inflação. ¿Mas a inflação não se baixa com indicadores e sim com medidas eficazes¿, diz Abram.

Para o ex-diretor de Estatísticas Econômicas do Indec, Víctor Beker, a credibilidade dos índices só poderá ser recuperada com a colocação de técnicos respeitados no Indec, sem ingerência política. Beker diz que a medição oficial é ¿ninho de gato¿ e sem pautas técnicas sólidas. Segundo ele, ¿estamos voando em um avião sem instrumentos¿, onde ¿a inflação real no país está entre 20 a 25%¿ e a oficial em 9,8%.

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