Título: Exconjurando inflação
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Fonte: O Estado de São Paulo, 17/03/2008, Notas e Informações, p. A3

É bom ouvir o presidente Luiz Inácio Lula da Silva exconjurar os demônios da inflação. A economia brasileira, segundo o presidente, pode continuar crescendo até 6% ao ano, se o consumo não ultrapassar a oferta. Ele fez esse comentário numa visita a Araraquara, na sexta-feira, pouco depois de o IBGE ter divulgado os números de janeiro do comércio varejista. Em janeiro, as vendas foram 1,8% maiores que as de dezembro e 11,8% superiores às de um ano antes. O consumo privado, segundo a pesquisa, continuou aquecido no começo do ano, mantendo a tendência do trimestre final de 2007.

Talvez o presidente ainda não soubesse, na sexta de manhã, das novas informações sobre o varejo, mas conhecia, e muito bem, as contas nacionais divulgadas na quarta-feira. Essas contas haviam mostrado a rápida expansão do consumo em 2007 e sua aceleração na segunda metade do ano. Também na quinta-feira o Banco Central (BC) havia publicado a Ata da última reunião de seu Comitê de Política Monetária (Copom), com uma severa advertência sobre o risco de novas pressões inflacionárias.

Ainda assim, não se pode prever como o presidente reagirá, se o Copom, em sua próxima reunião, em abril, aumentar os juros para conter a expansão do consumo. Esse aumento, por enquanto, é assunto de especulação entre os analistas. Mas é mais que provável que a decisão virá, se os consumidores continuarem comprando com a disposição exibida nos últimos meses.

Talvez o presidente julgue desnecessário um novo arrocho do crédito, a curto prazo, mas, curiosamente, sua retórica tem sido muito parecida com a dos dirigentes do BC. ¿Sou muito cauteloso¿, disse Lula horas depois de o IBGE divulgar o crescimento de 5,4% do Produto Interno Bruto (PIB). Segundo ele, é melhor manter a expansão da economia em 5% por mais tempo, para dar à indústria o prazo necessário para atender à demanda sem risco de inflação.

Em Araraquara ele voltou ao tema, apontando a condição necessária, em sua opinião, para se afastar o perigo. ¿Se crescermos muito e não houver investimentos em novas fábricas, teremos de volta a doença desgraçada que é a inflação¿, disse o presidente.

Não há razão para duvidar da sua sinceridade, quando ele manifesta seu horror à desgraça dos preços em disparada. Sua reeleição, em 2006, foi muito facilitada pelo sucesso da política antiinflacionária.

Pode-se discutir se a política monetária tem sido ou não excessivamente severa, ou se, como pretendem alguns, resultados muito parecidos seriam alcançáveis com juros menores. Só não se pode negar um dado concreto: exagerada ou não, essa política permitiu controlar os aumentos de preços e contribuiu para a elevação do poder de compra dos trabalhadores. Controle da inflação, parece haver entendido o presidente, é um instrumento importante de redistribuição de renda. Sem essa condição, teriam efeito muito menor os aumentos nominais de salários e a transferência de renda por meio do Bolsa-Família e de outros programas sociais.

O presidente está certo: é melhor a economia crescer moderadamente, por alguns anos, para se evitar o risco de uma interrupção abrupta do crescimento, por um novo surto inflacionário. É indispensável dar tempo às empresas para investir e ampliar sua capacidade de produção. Mas isso não é tudo.

A demanda considerada preocupante pelo Copom é explicável, em boa parte, pelo gasto público excessivo. Mas o governo não tem planos de contenção de despesas. Ao contrário, vai aumentá-las neste e nos próximos anos, e o novo reajuste para o funcionalismo confirma essa disposição. Sem perspectiva de reforma da administração e da política orçamentária, o governo terá de continuar aumentando a carga de impostos, concorrendo com as empresas pela poupança disponível.

Sem essa concorrência, as empresas poderiam mais facilmente investir - como recomenda o presidente. Com gastos públicos mais saudáveis e mais eficientes, o BC poderia baixar os juros e isso teria efeito também sobre o câmbio, outro obstáculo ao crescimento equilibrado. Se incluir esses dados em seu raciocínio, será mais fácil para o presidente responder ao desafio da prosperidade sustentável.