Título: Mudanças no Tribunal do Júri
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/03/2008, Notas e Informações, p. A3
Considerado um dos mais obsoletos do País, o Código de Processo Penal, que entrou em vigor há mais de seis décadas, está prestes a ser modernizado em um de seus pontos mais importantes. Trata-se do capítulo que define as competências e modo de funcionamento do Tribunal do Júri. Concebido em 2001 por iniciativa do Poder Executivo, na gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso, o Projeto de Lei nº 4.203, que simplifica e agiliza essa forma de julgamento, no qual cidadãos comuns atuam como juízes, acaba de ser aprovado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara e agora só depende de votação em plenário.
O projeto foi aprovado em dezembro de 2007 pelo Senado, tendo sofrido mais de 100 mudanças em sua versão original. Na Câmara, onde tramita em regime de urgência, também vem sendo objeto de inúmeras emendas, mas tem a vantagem de contar com um relator - o deputado Flávio Dino (PC do B-MA)- que, por ter sido juiz federal durante 12 anos e atuado como secretário do Conselho Nacional de Justiça, é um especialista na matéria.
O júri é um dos institutos mais antigos do direito. Sua origem remonta ao século 4º a.C., quando, na Grécia e Roma antigas, cidadãos comuns julgavam seus pares em praça pública. No Brasil, o Tribunal do Júri foi introduzido na primeira metade do século 19 para julgar diversos tipos de crime. Com o tempo, ele passou a julgar apenas crimes dolosos contra a vida, como homicídio, infanticídio, aborto e instigação ao suicídio.
Em seu substitutivo, o relator propôs a eliminação de formalismos processuais, como a diminuição de prazos para apresentação de recursos e a redução do número de audiências na fase anterior ao julgamento, sem comprometer o direito de defesa dos réus. Pelo texto aprovado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, basta a realização de uma única audiência antes do júri. O projeto também determina que a instrução preliminar, quando o juiz conhece a denúncia e ouve as testemunhas, deverá ser concluída em até 90 dias. Outra inovação é a simplificação das perguntas feitas aos jurados. Ao que se visa com essa medida é diminuir a possibilidade de recursos de anulação do julgamento.¿Essas mudanças têm por objetivo o balanceamento entre os direitos do réu a um julgamento justo e o direito da sociedade a um julgamento célere¿, diz o relator.
Entre as mudanças aprovadas pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania destacam-se ainda a diminuição da idade mínima para participar de júri, que passa de 21 para 18 anos, e a aplicação de multa de até dez salários mínimos para quem não atender à convocação feita pela Justiça. Ninguém poderá se recusar a participar alegando motivos como cor, raça, credo, sexo, profissão, classe social, origem e grau de instrução. Quem invocar razões políticas, religiosas ou filosóficas para justificar a recusa terá de prestar serviços alternativos, sob pena de suspensão de direitos políticos. Pelo projeto, todos os anos a Justiça formará uma lista com cidadãos sorteados ou indicados por associações de classe, centros comunitários, sindicatos e universidades para participar de sessões de júri. Nas comarcas com 100 mil habitantes, as listas conterão de 300 a 700 nomes. Nas cidades com mais de 1 milhão de habitantes, elas conterão de 800 a 1,5 mil nomes.
A inovação mais importante é a exclusão do Código de Processo Penal do chamado ¿protesto por novo júri¿ - um recurso processual pelo qual os advogados de defesa podem pedir um segundo julgamento por outro júri, caso o primeiro tenha aplicado pena de reclusão superior a 20 anos. Esse é um recurso que tem garantido a impunidade de muitos autores de crimes violentos, uma vez que podem aguardar em liberdade o segundo julgamento e invocar os mais variados pretextos para prorrogar sua realização. É por isso que os juízes têm procurado aplicar a pena máxima de 19 anos e 6 meses para esses criminosos, com o objetivo de impedi-los de reivindicar um novo júri.
Com a entrada em vigor do novo Código de Processo Penal estarão fechadas muitas das brechas que asseguram a impunidade a criminosos violentos. É de esperar que a Câmara dos Deputados o aprove sem grandes alterações e sem maiores delongas.