Título: Sem quebra de sigilo, presidente da CPI das ONGs ameaça deixar cargo
Autor: Scinocca, Ana Paula; Costa, Rosa
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/03/2008, Nacional, p. A4

Colombo critica entraves da base aliada e vê `palhaçada¿; governistas garantem que apuração segue ritmo normal

Criada para investigar suspeitas envolvendo repasses oficiais para organizações não-governamentais, a CPI das ONGs acabou por ganhar o apelido de CPI do Google, porque só manuseia dados públicos encontrados na internet, sem acesso a dados sigilosos. Instalada em outubro, a comissão patina e alguns de seus integrantes dizem que o trabalho está próximo de ser enterrado. De posse de relatórios considerados insuficientes para avançar nas investigações, o presidente da CPI, senador Raimundo Colombo (DEM-SC), avisa que, se não conseguir ao menos quebrar o sigilo de alguns investigados e aprovar requerimentos, deverá ¿jogar a toalha¿ e pôr fim ao que chama de ¿palhaçada¿.

A dificuldade em avançar na apuração é atribuída aos governistas, maioria na CPI. Ao todo, a comissão abriga sete integrantes da base do governo - incluindo o relator, senador Inácio Arruda (PC do B-CE), e apenas quatro oposicionistas, contabilizando Colombo. O problema é que nem governo nem oposição demonstram muito apetite investigativo. A comissão se propôs a apurar repasses de verbas federais para ONGs de 1999 a 2006, ou seja, no segundo mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e nos primeiros quatro anos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

¿Estamos de mãos atadas, pois não conseguimos avançar sem a quebra de sigilo¿, reconhece o presidente da CPI. Colombo chegou a pensar em recorrer ao Judiciário para obter o acesso às informações secretas. A previsão oficial é de encerramento dos trabalhos em maio. A CPI até que conseguiu dados importantes, mas depende do cruzamento de informações e de quebra de sigilo para completar um ¿pente-fino¿ no repasse de verbas da União às entidades.

ESTATÍSTICA

No Brasil, estima-se que há cerca de 300 mil organizações não-governamentais. Desse universo, segundo análise da CPI, 7.500 receberam recursos federais da administração direta. Foram R$ 2,92 bilhões só em 2006, segundo a comissão.

A falta dessas informações chegou a tal ponto que o senador Álvaro Dias (PSDB-PR) trata a comissão como ¿CPI do Google¿, porque é do site de buscas da internet que são retiradas as informações para sustentar os depoimentos ocorridos até agora. Dias acha difícil a comissão sobreviver à barreira imposta pelos governistas. ¿Não conseguimos apurar nada, a CPI está emperrada porque eles são intransigentes na estratégia de proteger questões mais delicadas¿, diz.

Oficialmente, Colombo fala em postergar os trabalhos de maneira a lutar até o limite para que a CPI possa apresentar um relatório conclusivo sobre a relação entre o governo e as ONGs. ¿Possivelmente teremos de prorrogar o encerramento da CPI. No ritmo que estamos não há condição de concluir tudo em menos de dois meses.¿

De acordo com dados da CPI, o repasse para as entidades não-governamentais triplicou em oito anos. Em 1999, foram repassados pela União R$ 996,8 milhões. Em 2006, R$ 2,92 bilhões. As ONGs nasceram como alternativa para a execução de tarefas deixadas de lado por todas as esferas do poder público.

A partir da década de 90, as ONGs começaram a ser contratadas pelos governos para a execução de serviços especializados, sob o argumento de que o fariam com mais agilidade. Entre 1999 e 2006, o governo federal, conforme os dados veiculados pela comissão do Senado, destinou quase R$ 15 bilhões em dinheiro público para 7.670 organizações.

Arruda discorda que a CPI esteja sem rumo e não disponha de material para realizar uma boa investigação. O relator argumenta que os trabalhos seguem o rumo planejado. ¿A CPI existe para tratar do repasse de recursos federais para 500 mil ONGs que existem no País. Ou localizamos um conjunto que recebeu repasses mais altos e trabalhamos nisso ou então teremos uma CPI de 8 anos¿, destacou.

O senador petista Sibá Machado (AC) afirma que os ¿quase 80 requerimentos votados¿ provariam que a comissão tem no que trabalhar. Sibá e Arruda são apontados como a tropa de choque do governo na CPI.

Ambos se revezariam na tarefa de filtrar, mobilizando senadores aliados, os requerimentos que tenham o potencial de causar prejuízos políticos ao governo.

Idealizador da comissão, o senador Heráclito Fortes (DEM-PI) acredita que ainda dá para insistir na CPI, apesar de reconhecer que seus colegas do governo ¿têm extrapolado para impedir as apurações¿.