Título: Noruega só gasta 4% do fundo por ano
Autor: Gobetti, Sérgio
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/08/2008, Economia, p. B4

Limite tem o objetivo de proteger os recursos obtidos com o petróleo

Sérgio Gobetti

O governo norueguês, que se transformou em referência no debate nacional sobre o petróleo, criou um limite anual de gasto de 4% do seu fundo soberano para impedir que o dinheiro arrecadado com a produção das plataformas evapore. Atualmente, o fundo alimentado com o lucro do setor petrolífero e aplicado em ações e títulos no mercado financeiro internacional já acumula 2,3 bilhões de coroas (US$ 421 bilhões), o equivalente ao tamanho do Produto Interno Bruto (PIB) da Noruega.

Apesar das pressões sociais e políticas que sofre para usar uma fatia maior da riqueza no atendimento de demandas internas, o governo de coalizão do primeiro-ministro trabalhista, Jens Stoltenberg, tem se mantido firme na disciplina fiscal, gastando até menos do que o permitido pela regra em vigor. Nos últimos oito anos (incluindo a estimativa para 2008), o governo poderia ter usado um total de US$ 57,2 bilhões do fundo, mas só usou US$ 51,3 bilhões.

O orçamento da Noruega é dividido em duas partes: as receitas e despesas do setor de petróleo, de um lado, e as receitas e despesas das demais áreas, de outro lado. No ano passado, por exemplo, as receitas da atividade petrolífera renderam cerca de US$ 61 bilhões aos cofres públicos, dos quais US$ 3,8 bilhões foram gastos pelo governo em investimentos na sua parcela de sociedade das plataformas. Ou seja, o governo teve um superávit de US$ 57 bilhões no orçamento do petróleo.

Em compensação, as receitas provenientes das demais atividades econômicas não foram suficientes para cobrir o restante das despesas do governo, como o gasto com seguridades social e educação. O déficit desse segundo orçamento foi de menos de US$ 240 milhões, o menor desde a criação do fundo do petróleo, no início dos anos 90. É esse pequeno buraco que é coberto pelo dinheiro do petróleo.

Para se ter uma idéia comparativa, o orçamento do governo brasileiro teria um déficit de ao menos US$ 50 bilhões se a receita com o setor petrolífero (não apenas royalties, mas dividendos da Petrobrás e imposto de renda pago pelas empresas) fosse computada em separado. E hoje o dinheiro do petróleo não cobre nem metade desse buraco no Brasil.

No caso da Noruega, o limite de 4% do fundo soberano permite atualmente que o governo gaste cerca de US$ 14,6 bilhões anuais para cobrir o déficit extrapetróleo. Em 2008, as previsões do Ministério das Finanças são de que o buraco no orçamento fiscal será de apenas US$ 2,3 bilhões. Mas esse número seria maior se a economia norueguesa não estivesse crescendo no ritmo acelerado dos últimos anos.

Por isso, os técnicos da equipe econômica norueguesa preferem continuar gastando menos para compensar uma eventual elevação do déficit em situações de desaquecimento da economia e de anos anteriores (2002 e 2003, por exemplo). Esse tipo de controle é chamado pelos economistas de política ¿anticíclica¿, ou seja, menor gasto em épocas de crescimento econômico e maior gasto em fases de recessão.

¿A questão fundamental é definir onde vamos gastar esse dinheiro e quanto será gasto agora e no futuro¿, afirma um dos assessores do Ministério das Finanças da Noruega, Thomas Ekeli.

Formalmente, o fundo soberano norueguês se chama de ¿Fundo de Pensão¿, mas não tem qualquer relação com as receitas ou gastos relativos ao sistema de aposentadoria da população. O nome foi escolhido pelo Parlamento em 2006 porque se imagina que, no futuro, o governo da Noruega terá um custo muito grande com as aposentadorias e pensões - o mesmo fantasma que já atormenta o governo brasileiro.

A decisão de limitar o déficit a 4% do valor do fundo (quase igual ao PIB) se deve à perspectiva de valorização do dinheiro já poupado. Os US$ 421 bilhões acumulados desde 1996 estão aplicados no mercado financeiro e têm gerado um rendimento médio anual de 4% acima da inflação. Ao limitar os gastos do fundo a 4%, então, o governo norueguês preserva o valor real do fundo, que permanecerá guardado para uma eventual necessidade no futuro distante.

Essa mentalidade poupadora, entretanto, não existe desde o início do boom do petróleo na Noruega. Foi preciso que o trabalhismo norueguês, que esteve no poder na maior parte dos últimos 40 anos, enfrentasse algumas situações complicadas, como da estagflação (estagnação econômica e inflação, simultaneamente) na década de 80 para que visse a necessidade de apertar o cinto e gastar menos dinheiro do petróleo.

¿A questão não é o que fazemos com o fundo, mas o que o fundo pode fazer conosco¿, diz o professor de Economia da Universidade de Oslo Arne Jon Isachsen. ¿O dinheiro em excesso do petróleo pode afetar negativamente nosso bem-estar se gerar um surto de consumo e inflação¿, pondera.

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