Título: Definição para o pré-sal é capital político para a sucessão de Lula
Autor: Abreu, Beatriz
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/08/2008, Economia, p. B5

Presidente quer ser lembrado como alguém que soube usar essa riqueza para promover avanços no País

Beatriz Abreu

O debate político em torno de um novo marco regulatório para o setor de petróleo ainda está contaminado por dúvidas e, qualquer que seja a solução, o novo modelo deve atender ao desejo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva: projetá-lo no futuro, principalmente na campanha eleitoral para a sua sucessão em 2010, como o presidente que soube usar essa riqueza natural para transformar as desigualdades sociais do País e promover avanços significativos na educação e no desenvolvimento científico e tecnológico.

Ao desafio de se definir a fonte de financiamento para investimentos que podem somar US$ 600 bilhões nos próximos 30 anos - cálculo privado referendado pelo governo - se somam questões complexas e uma forma de pensar o País que o presidente Lula não abandonou e não pretende abandonar facilmente. Ele idealiza uma solução para a área do pré-sal que não repita outros momentos da história em que as riquezas naturais foram ¿expropriadas¿.

¿O pré-sal pode não ser uma panacéia para os problemas nacionais, mas não se deve repetir o que aconteceu com o pau-brasil e o ouro de Minas Gerais, que foram levados embora do País¿, disse uma fonte do governo. Não se trata, segundo esse interlocutor, de questão ideológica. ¿O presidente não é ideológico; é pela cobrança de resultados.¿

Com esse preâmbulo, as perguntas sobre quem, que modelo de exploração (concessão ou partilha ou um sistema misto), em que prazo e quais os benefícios a serem compartilhados entre União, Estados e municípios ainda não foram respondidas. O ponto de partida foi definido politicamente por Lula: as áreas de pré-sal são propriedade da União, do povo brasileiro, e devem ser exploradas em benefício da população.

Esse é o legado que Lula pretende deixar para o sucessor e, ao mesmo tempo, apresentar como marca registrada de seu governo na campanha eleitoral em 2010. Afinal, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) não se tornou uma referência para a população.

Após uma série de reuniões da Comissão Interministerial - criada no dia 28 de julho com o desafio de apresentar uma proposta no prazo de 60 dias -, os ministros tentam concluir o trabalho no prazo. Lula quer receber as propostas na terceira semana de setembro. Se não houver consenso, será necessário um prazo adicional para ampliar o debate. Se ainda assim persistirem as divergências, Lula vai arbitrar a decisão. Não está descartada a possibilidade de prorrogar essas discussões.

A forma de financiar os investimentos - cerca de US$ 20 bilhões por ano na exploração do petróleo do pré-sal nos próximos 30 anos - é uma das questões em aberto e tudo dependerá de uma questão-chave: considerar ou não a possibilidade de unitizar a área de pré-sal. ¿Se for, o problema está resolvido¿, disse uma fonte.

A Lei do Petróleo já define o processo de unitização nos casos de reserva contígua entre dois ou mais blocos vizinhos. Se fica caracterizada essa situação, os concessionários dos diferentes blocos são chamados a formar uma parceria para a operação conjunta das áreas.

A Petrobrás defende a necessidade de unitizar parte ou a totalidade das reservas do pré-sal no entorno da área de Tupi, onde foi identificado potencial de 5 bilhões a 8 bilhões de barris de óleo. O processo de unitização foi discutido na última reunião da comissão, na quinta-feira, no Palácio do Planalto.

O fato é que a exploração e os investimentos necessários fazem parte de uma ofensiva na qual nem a União nem a Petrobrás têm condições de bancar sozinhas, o que elimina a perspectiva de que os estudos resultem na reestatização do setor.

As parcerias com investidores internacionais não estão descartadas, embora se saiba que a atratividade de novos investimentos mantém relação direta com o custo/benefício e o ritmo que o governo quer dar para a exploração da área de pré-sal . O governo já foi informado, por exemplo, que algumas multinacionais ponderam que, se o preço do petróleo cair da faixa de US$ 100 o barril, é melhor deixar tudo como está.

Apesar da pressão, setores do governo contra-atacam com o argumento de que cada vez menos as petroleiras conseguem explorar petróleo para ¿fazer o que quiserem com o produto¿. As multinacionais do setor sabem disso e aceitam que, de fato, haverá mudanças nas regras. Só pedem que o Planalto seja ágil na definição do novo marco regulatório e não rompa com as regras estabelecidas para os poços licitados. Não está em pauta romper com as concessões já realizadas.

Embora a hipótese mais provável seja a criação de uma nova empresa estatal para administrar o novo patrimônio da União, Lula ainda ¿não bateu o martelo¿, segundo assessores. A nova empresa não chega a ser uma preferência nacional, mas é tratada ¿quase como fato consumado¿. No entanto, o modelo inspirador da Noruega, se copiado no Brasil, certamente sofrerá adaptações tupiniquins.

Não anima a perspectiva de não poder utilizar a receita da exploração do petróleo do pré-sal para financiar despesas como investimentos para melhorar os setores de educação e de geração de novos conhecimentos científicos e tecnológicos.

¿Uma coisa é a Noruega usar os recursos para poupança de longo prazo quando sua população tem renda per capital elevada, outra coisa é a sociedade injusta, como a brasileira, com a riqueza mal distribuída¿, disse uma fonte. Isso não significa gastar livremente os recursos, mas alguma brecha haverá. ¿O modelo norueguês é interessante, mas precisa ser equilibrado à realidade brasileira.¿