Título: Índia advogada faz história
Autor: Gallucci, Mariângela; Recondo, Felipe
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/08/2008, Nacional, p. A4
Joênia sobe à tribuna do STF para defender demarcação
Vannildo Mendes e Felipe Recondo
Primeira índia do País a ganhar o registro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Joênia Batista Carvalho, 34 anos, fez mais história, ontem, no julgamento sobre a demarcação da reserva Raposa Serra do Sol. De rosto pintado, trajando indumentária da etnia wapichana reservada para ocasiões solenes e falando com segurança, a advogada, ex-empregada doméstica e ex-secretária de uma empresa distribuidora de bebidas, foi também a primeira índia a falar na tribuna da corte suprema.
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Jôenia formou-se pela Universidade Federal de Roraima em 1997, disputando o vestibular numa época em que não havia o sistema de cotas sociais e raciais. Passou em quinto lugar e ouviu do chefe, na distribuidora de bebidas, a pergunta sobre se valeria a pena tanto esforço, uma vez que ela dificilmente exerceria a profissão por causa da concorrência. ¿Fiquei indignada e pedi demissão no dia seguinte¿, lembrou ontem Joênia, depois de ter feito a sustentação oral no STF. Ela se disse protegida ¿pelas boas energias e pelos pajés¿.
Joênia começou a defesa no idioma wapichana, o que, por um momento, espantou os 11 ministros do STF. Pediu, resumidamente, que a terra, a cultura e as tradições dos índios sejam respeitadas. ¿Nossa vida é nossa terra¿, afirmou.
Em português claro deixou no plenário da corte a contabilidade da violência: casas queimadas e 21 índios assassinados sem que ninguém tenha sido punido. ¿Somos acusados de ladrões e invasores na nossa própria terra. Somos caluniados e difamados dentro de casa¿, queixou-se.
No momento mais forte da intervenção, disse o que, em sua opinião, está em jogo: ¿A terra indígena não é só a casa onde se mora, é o local onde se caça, onde se pesca, onde se caminha. A terra não é um espaço de agora, mas um espaço para sempre¿.
Joênia disse que falou com o coração, porque tratou de fatos vividos desde sua infância na Raposa. ¿Cresci ouvindo gritos de `bota cerca, tira cerca¿ e que `o índio não é capaz¿.¿
Depois de reclamar da proposta de redução do tamanho da reserva, concluiu: ¿Um dia só nos restará o quintal da reserva, onde viveremos confinados e infelizes¿.