Título: Relator do STF vota por reserva contínua em RR
Autor: Gallucci, Mariângela; Recondo, Felipe
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/08/2008, Nacional, p. A4

A reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, tem de ser demarcada de forma contínua e os arrozeiros que cultivam terras na região têm de abandonar o local. Esse foi, em síntese, o voto do ministro-relator Carlos Ayres Britto no julgamento que vai definir a forma de demarcação da reserva, iniciado ontem no Supremo Tribunal Federal (STF). Baseando-se em artigos da Constituição, o ministro disse que a demarcação de terras indígenas deve ser sempre contínua, rejeitando assim a proposta de alguns parlamentares e do governo de Roraima de criar ¿ilhas¿ para as populações indígenas que vivem na reserva.

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¿O formato de toda e qualquer demarcação indígena é o contínuo. Porque somente ele viabiliza os imperativos constitucionais¿, definiu Ayres Britto.

O relator foi o único dos 11 membros do Supremo a votar ontem. Já no meio da sessão os ministros davam como certo o pedido de vista. Coube a Carlos Alberto Direito, o primeiro a votar depois do relator, pedir o adiamento da sessão. O regimento do STF determina que o processo deve ser devolvido para a retomada do julgamento em até 20 dias, mas esse prazo pode ser descumprido. O presidente da Corte, Gilmar Mendes, afirmou que espera concluir o julgamento ¿até o final deste semestre¿.

CERCAS

¿As terras já eram e permanecem dos indígenas¿, afirmou Ayres Britto, em seu voto. ¿Os rizicultores passaram a explorar as terras em 1992. Eles não têm direito adquirido às posses.¿

Segundo ele, não há problemas na avaliação antropológica feita para basear a demarcação. Além disso, afirmou, os plantadores de arroz degradam o meio ambiente com o uso de agrotóxicos.

O relator observou que os índios não se acostumam a viver cercados. ¿São visceralmente avessos à idéia de guetos, cercas, muros, grades, viveiros¿, ressaltou. ¿Se as terras permanecem indígenas, a despeito dos empreendimentos públicos nela incrustados, nem por isso a União decai de seu poder-dever de comandar, de coordenar o uso contínuo de tais empreendimentos.¿

Ainda segundo o ministro, não há nenhum impedimento para que índios vivam em faixas de fronteira. ¿A Magna Carta Federal não fez nenhuma ressalva quanto à demarcação em faixa de fronteira¿, disse.

Ayres Britto classificou como tentativa de desviar o foco da discussão o argumento de que a ocupação pelos índios poderia atentar contra a soberania nacional. ¿Não é por aí que se pode falar de abertura de flancos para o tráfico de entorpecentes e drogas afins, nem para o tráfico de armas e exportação ilícita de madeira. Tampouco de perigo para a soberania nacional, senão, quem sabe, como uma espécie de desvio de foco ou cortina de fumaça para minimizar a importância do fato de que empresas e cidadãos estrangeiros é que vêm promovendo a internacionalização fundiária da Amazônia legal, pela crescente aquisição de grandes extensões de terras.¿

ENTREVISTA

Durante o julgamento, ele citou entrevista do professor do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio, Viveiros de Castro, concedida aos jornalistas Flávio Pinheiro e Laura Greenhalgh e publicada pelo Estado em abril. Na entrevista, o professor falou sobre a contribuição dos índios para a integridade territorial do País. Ayres Britto citou declaração de Viveiros: ¿Os índios foram decisivos para que o Brasil ganhasse da Inglaterra. Dizer que viraram ameaça significa, no mínimo, cometer uma injustiça histórica.¿

O ministro disse ainda que o processo de demarcação das terras indígenas, previsto na Constituição de 1988, está atrasado. De acordo com a Constituição, esse processo deveria ser realizado num prazo de cinco anos.