Título: Um hábito antigo, de Estados onde o cidadão não tem direitos nem deveres
Autor: Brandt, Ricardo
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/08/2008, Nacional, p. A6

O gesto do candidato Ricardo Holz é uma prova - mais uma - de que modernidade não é garantia de democratização e antigos hábitos sobrevivem nas novas formas de mando das sociedades atuais. Quem o diz é o professor de Ética da Unicamp Roberto Romano, veterano estudioso dos bons e maus costumes da vida brasileira. ¿É uma coisa lamentável, mas não surpreendente¿, diz ele. ¿A compra de votos já era uma coisa comum no Império Romano.¿

¿Platão se irritava com essa tradição na Grécia antiga e Maquiavel a condenava na Florença no século 15. O autor italiano Luciano Canfora identifica o costume há 2 mil anos, no seu livro Júlio César, o Ditador Democrático¿.

Mas por que o hábito é tão marcante no Brasil? ¿Porque nossa história é uma permanente negação, na vida social, da democracia e do liberalismo. A ausência de liberdade moldou a vida dos municípios. Construiu-se, desse modo, um sistema em que o indivíduo não tem direitos, mas, também, não tem deveres. Ele não é cobrado, não sente o dever de observar limites ou princípios.¿

Na origem disso está o monopólio do poder pelo Estado, diz ele. ¿Vivemos num ambiente em que tudo se concentra no Executivo, que ainda fica com 70% do total dos impostos. Isso estrangula as aspirações do sujeito e ele recorre a truques para se safar. O deputado e o vereador se tornam estafetas de luxo, que fazem a mediação entre quem tem o poder e o dinheiro e quem dele precisa.¿

Romano observa que o povo brasileiro conviveu, desde as origens do País, com experiências de absolutismo monárquico. Seguidas rebeliões liberais foram massacradas. A República Velha herdou esse viés absolutista do Estado. ¿Tudo conduziu à desvalorização do indivíduo - o catolicismo dominante, conservador, o monopólio de poder exercido durante a República Velha, as duas ditaduras no século 20. Dessa salada saíram os valores sociais que moldam nossas relações sociais de hoje.¿ O que temos como eleitorado é uma clientela, diz ele. ¿E onde há clientela há o jeitinho.¿