Título: Religiosos divergem sobre aborto de anencéfalos em debate no STF
Autor: Gallucci, Mariângela
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/08/2008, Vida&, p. A22

Representante da Universal defende o direito da mulher de decidir por aborto; católicos citam caso Marcela

Mariângela Gallucci, BRASÍLIA

Apelidado de catedral do Direito, o Supremo Tribunal Federal (STF) foi palco ontem de uma disputa entre religiosos sobre a interrupção das gestações de fetos com anencefalia. De um lado estavam os que defendem que o direito à vida é inviolável. De outro, os que defendem o direito da mulher decidir.

A ala contrária à interrupção das gestações citou diversas vezes a história da bebê Marcela de Jesus Ferreira. Diagnosticada como anencéfala, ela viveu 1 ano e 8 meses. Porém, especialistas que analisaram os exames da bebê afirmam que ela não era anencéfala. A mãe da bebê, Cacilda Ferreira, estava no STF, assistiu a toda a audiência e tirou fotos com religiosos favoráveis à manutenção das gestações. O grupo teme que uma decisão favorável do STF à interrupção das gestações abra brechas para a legalização de outras modalidades de aborto.

Os favoráveis à interrupção de gestações de anencéfalos disseram que a mulher tem o direito de escolher se quer manter a gravidez de uma criança que viverá por pouquíssimo tempo ou se deseja interrompê-la. Já o bispo Carlos Macedo de Oliveira, da Igreja Universal do Reino de Deus, foi mais enfático e disse que deveria ser liberada a realização de abortos. Depois de afirmar que a sociedade é tradicionalmente machista, o bispo defendeu que as mulheres têm o direito de decidir se querem ou não abortar.

Na audiência pública presidida pelo ministro Marco Aurélio Mello, relator da ação, falaram representantes da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), da Igreja Universal, da Associação Pró-Vida e Pró-Família, da ONG Católicas pelo Direito de Decidir e da Associação Médico-Espírita do Brasil.

Representante da Associação Nacional Pró-Vida e Pró-Família, o médico e professor da Universidade Estadual do Rio Rodolfo Acatauassú Nunes afirmou que Marcela era anencéfala. ¿A anencefalia não é o mesmo que morte encefálica¿, disse. Cacilda Ferreira, mãe da menina Marcela, afirmou que sua filha ¿sorria bastante, era muito carinhosa e se sentia feliz¿. Ela disse que cada segundo da vida da filha foi muito importante e que não se arrepende de ter mantido a gravidez.

A professora da PUC de São Paulo e socióloga Maria José Rosado, da ONG Católicas pelo Direito de Decidir, disse que cabe a cada mulher resolver se quer ou não levar uma gravidez de anencéfalo adiante. Maria José leu a carta de uma mãe de Teresópolis (RJ), que tem uma filha com hidrocefalia e, na segunda gravidez, descobriu que esperava um bebê com anencefalia. A carta foi enviada aos ministros do STF. A mãe tentou interromper a gestação, mas não conseguiu uma decisão judicial a tempo. A criança nasceu e morreu. ¿Viver uma gravidez sem esperança é acordar e dormir no desespero¿, diz a mãe na carta. ¿Nunca vou esquecer do caixão com a filha que me obrigaram a enterrar¿, disse ela. Representante da CNBB, o padre Luís Antônio Bento rebateu: ¿É melhor oferecer a um filho um caixão do que uma lata de lixo.¿

Marco Aurélio sinalizou que reafirmará sua posição favorável ao reconhecimento do direito de as mulheres que esperam fetos com anencefalia interromperem as gestações. Em 2004, ele concedeu uma liminar liberando os procedimentos em todo o País. Indagado se tinha modificado sua convicção, ele disse que não. ¿Sinalizei muito convicto que no caso, de início, se pode até imaginar que a interrupção é terapêutica, considerado o bem-estar da própria mulher¿, afirmou. Ele previu que o plenário do STF julgará a polêmica até novembro. Amanhã será realizada uma nova audiência pública sobre o tema no STF, com representantes de entidades médicas.

FRASES

Carta de uma mãe que teve um filho com anencefalia ¿Viver uma gravidez sem esperança é acordar e dormir no desespero. Nunca vou esquecer do caixão com a filha que me obrigaram a enterrar¿

Luís Antônio Bento representante da CNBB ¿É melhor oferecer a um filho um caixão do que uma lata de lixo¿

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573 internautas responderam até ontem à pergunta: A mãe deve ter o direito de interromper a gestação de um feto anencéfalo?

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