Título: 'Na questão disciplinar, CNJ deixa a desejar'
Autor: Duailibi, Julia
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/08/2008, Nacional, p. A14
Entrevista - Sérgio Renault, ex-secretário de Reforma do Judiciário; Para Renault, conselho sofre de `tentação corporativa¿ e lentidão não foi solucionada porque `atende a interesses¿
Julia Duailibi
Na semana em que o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou e estendeu decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) proibindo o nepotismo nos três Poderes, Sérgio Renault, ex-secretário de Reforma do Judiciário, diz ver com certo ceticismo a atuação do órgão criado justamente para fiscalizar a Justiça. Para Renault, o conselho sofre de ¿tentação corporativa¿ e ¿deixa a desejar¿ quando o assunto é disciplinar a ação dos juízes.
O CNJ foi criado no bojo na reforma do Judiciário promovida pelo governo Lula em 2004. Ao analisar os resultados da reforma, Renault afirma que a Justiça não solucionou problemas como a lentidão porque há quem se beneficia com isso. ¿Esse `não-funcionamento¿ atende a interesses. Interessa a empresas em determinadas situações, ao governo¿, afirmou. Leia abaixo entrevista concedida pelo advogado:
Houve mudanças estruturais no Judiciário desde a reforma?
A reforma mostrou que o Judiciário tem um papel importante na consolidação da democracia, na discussão e na decisão de questões fundamentais. Muitas das questões da Justiça que não eram conhecidas passaram a ser debatidas, e o Judiciário passou a ser uma instituição percebida pela sociedade.
Isso significa um Judiciário mais transparente?
A transparência decorre de decisões que foram tomadas na reforma, como a criação do Conselho Nacional de Justiça. Hoje eu não tenho a menor dúvida de que o Judiciário é um órgão mais aberto à sociedade. Se isso traz ou não benefícios, é outra questão.
O que se vê ainda, no entanto, é um Judiciário que vai gastar R$ 1 bilhão em obras neste ano, que não presta contas, bastante corporativo...
A criação do CNJ foi a forma de o Judiciário ser controlado. Acho que ele tem esse papel a cumprir, mas não está cumprindo ainda. O CNJ não foi criado para pagar regiamente os seus membros, por exemplo. Foi criado para dar maior moralização ao Judiciário, para controlar suas atividades, coibindo corrupção. A expectativa era que ele não fosse mais um órgão com a sua sede, com a sua mordomia, com os seus desvirtuamento.
Virou órgão corporativista?
É um risco. Quando se criou o conselho, a grande discussão era sobre a sua composição. A proposta que venceu era mais juízes que pessoas externas à magistratura. Eu defendi o contrário. Essa tentação corporativa é uma tensão presente. Se você verificar o conjunto de decisões que foi tomado pelo CNJ nesses dois anos e meio, a maior parte é relativa a questões menores, a discussões internas da corporação. Eu esperava, e espero ainda, que o CNJ cumpra o seu papel no sentido de estabelecer grandes diretrizes e políticas públicas importantes.
Como no caso da proibição do nepotismo?
Sim. Essa é a boa notícia. Acho que, se não houvesse a questão do CNJ no nepotismo, talvez ela não tivesse sido suscitada.
Como o CNJ tem acompanhado casos de corrupção na Justiça?
Em relação à questão disciplinar, o CNJ deixa a desejar. Há poucas notícias sobre punições de juízes, sobre casos de corrupção. Não é possível que numa estrutura tão grande assim nós não tenhamos (esses casos). As pessoas sabem de casos de corrupção no Judiciário, e o CNJ não tomou decisões relevantes. Continua agindo na defesa dos interesses corporativos.
Por que a reforma não sanou a lentidão da Justiça?
A reforma do Judiciário não terminou. É um processo de aperfeiçoamento. É necessário a gente compreender que o mau funcionamento do Judiciário atende a interesses. Por que todo mundo fala que o Judiciário não funciona e ele não melhora? Porque esse ¿não-funcionamento¿ atende a interesses. Interessa a empresas em determinadas situações, ao governo. Arrastar problemas com o tempo traz benefícios para algumas pessoas. Lutar contra isso é lutar contra interesses muito grandes. É um processo que precisa ser permanentemente perseguido.