Título: 'Aborto de anencéfalos vai passar por 11 a 0'
Autor: Gallucci, Mariângela
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/08/2008, Vida, p. A25

A avaliação é do relator do caso no STF, ministro Marco Aurélio Mello

Mariângela Gallucci, BRASÍLIA

Onze a zero. É esse o placar esperado pelo ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), na votação sobre a descriminação do aborto em casos de anencefalia. ¿Um placar acachapante¿, disse o relator do caso. ¿Vivemos sob a égide não do direito canônico mas do direito em si elaborado pelo Congresso Nacional¿, completou, em referência à forte oposição da Igreja Católica à qualquer forma de interrupção da gravidez.

Entenda o que é a anencefalia e dê sua opinião sobre o caso

Ontem, médicos obstetras e especialistas em genética e medicina fetal asseguraram no STF que bebês com anencefalia não têm nenhuma chance de sobreviver. ¿(A anencefalia é) letal em 100% dos casos¿, afirmou o médico e deputado federal José Aristodemo Pinotti (DEM-SP) durante audiência pública promovida ontem, no STF, para discutir o assunto. Além das chances nulas de sobrevivência do bebê, os especialistas disseram que a manutenção da gestação coloca em risco a vida da mãe.

A audiência servirá de base para o julgamento de uma ação na qual a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS) pede que sejam liberado o aborto neste caso. O julgamento deve ocorrer até o final deste ano. Heverton Peterssen, da Sociedade Brasileira de Medicina Fetal, garantiu que a menina Marcela de Jesus, que foi diagnosticada como anencéfala e viveu 1 ano e 8 meses, não era portadora da anomalia. Segundo ele, Marcela tinha merocrania, informação que o Estado adiantou terça-feira. ¿Houve um erro de diagnóstico no caso da Marcela. Não era um feto anencéfalo¿, confirmou Pinotti.

Peterssen informou que a anencefalia pode ser diagnosticada com 100% de segurança a partir da 8ª semana de gestação.

DOAÇÃO DE ÓRGÃOS

O presidente da Sociedade Brasileira de Genética Médica, Salmo Raskin, também rebateu a alegação - usada pelos contrários ao aborto de anencéfalos - , de que os bebês com a anomalia poderiam ser doadores de órgãos. Segundo Raskin, esses bebês não podem ser doadores porque têm múltiplas deficiências e seus órgãos são menores do que os das crianças saudáveis. Ele também ressaltou que não se faz transplante antes do 7º dia de vida. Como um bebê anencéfalo vive no máximo algumas horas ou poucos dias, isso impossibilitaria as doações.

O médico Jorge Andalaft Neto, da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia, citou estudo com 80 grávidas de anencéfalos que detectou uma série de problemas de saúde das mães decorrentes da anomalia do feto, como hipertensão e perda do útero. Segundo o médico, no ano passado foram registrados no Estado de São Paulo 84 casos de anencefalia.

A defesa da manutenção das gestações de fetos com anencefalia foi feita pelo deputado federal Luiz Bassuma (PT-BA), da Frente Parlamentar em Defesa da Vida - Contra o Aborto, e pela professora de biologia molecular da Universidade de Brasília Lenise Martins Garcia. Lenise disse que os bebês com anencefalia são deficientes, mas não mortos-vivos. Na próxima semana será promovida a terceira e última audiência sobre o tema.

FRASES

Marco Aurélio Mello ministro do STF e relator da ação que pede a liberação do aborto de fetos sem cérebro

¿Apenas constato que a comunidade científica é a favor dessa interrupção. Vivemos sob a égide não do direito canônico, mas do direito em si, elaborado pelo Congresso Nacional. O que me incentivou foi a visão, por um escore muito apertado do tribunal, quanto às pesquisas com células-tronco. Creio que, hoje, o tribunal é menos ortodoxo¿

José Aristodemo Pinotti médico e deputado federal (DEM-SP)

¿Houve um erro de diagnóstico no caso da Marcela. Não era um feto anencéfalo¿