Título: Presidente endureceu o discurso
Autor: Marchi, Carlos
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/08/2008, Nacional, p. A15

Depois dos primeiros contatos, Lula preferiu distanciar-se da oposição

Carlos Marchi

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso lamentou apenas que a sucessão de conversas com os principais ministros do primeiro mandato não tivessem redundado na criação de uma linha de interlocução direta com Lula, como seria tradicional em países evoluídos. Ele questionou o apelo genérico de Lula - ¿Precisamos conversar¿ -, quando o abraçou no velório de Ruth Cardoso, há dois meses. ¿Se ele quiser conversar, é só pegar o telefone e ligar¿, rebateu agora o ex-presidente. ¿Eu atenderei, não só por educação, mas porque fomos aliados muitas vezes e, principalmente, porque o interesse nacional muitas vezes requer convergência.¿

Mas a linha direta sustentada pelos então ministros Márcio Thomaz Bastos e Antonio Palocci, apesar de duradoura, acabou sem produzir uma interlocução direta entre o atual presidente e seu antecessor. Fernando Henrique confessa que começou a perder o ânimo quando, nos dias posteriores à conversa dramática com Palocci, Lula começou a usar uma retórica mais dura com a oposição e com ele próprio, o que lhe pareceu estranho para quem, dias antes, tinha lhe proposto um encontro apaziguador.

Um antigo assessor lulista explicou que o objetivo do presidente era criar um cenário de distanciamento crítico da oposição e de Fernando Henrique, para o caso de serem reveladas as missões secretas despachadas para Higienópolis. Já outro assessor deu uma versão diferente: que Lula teria achado que Fernando Henrique, embora tivesse prometido, não se mexera para ajudá-lo, como acenara aos mensageiros - muito embora na época o ex-presidente tenha feito declarações públicas contra o radicalismo da oposição, na contramão do furor oposicionista daqueles dias.

No dia 12 de julho, entre a conversa de Bastos e o relato dramático de Palocci, Lula bradou num palanque: ¿Não vão conseguir me dobrar!¿ Alguns dias depois, quando as denúncias começaram a atingir Palocci, o presidente disse não agüentar mais o ¿denuncismo¿ da oposição: ¿Querem acabar com o meu governo!¿, desabafou.

Em São Paulo criticou duramente Fernando Henrique, à revelia da trégua combinada. Mas aí, qualquer que fosse a versão para explicar a contradição que a linguagem dura representava, o presidente já não se defrontava com um problema tão agudo e começava a dar-se conta de que se livrara do impeachment pelo desdobramento natural da situação política.

Antes e depois de apelar a Fernando Henrique, Palocci e Bastos conversaram também com outros líderes da oposição, entre eles José Serra (PSDB), então prefeito de São Paulo, e pelo menos os senadores Tasso Jereissati (PSDB-CE), então presidente nacional do PSDB, Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) e Arthur Virgílio (PSDB-AM), líder dos tucanos no Senado.

Em todos os casos, os interlocutores oposicionistas, seduzidos pela conversa articulada de Palocci, ouviram e, ao final, fizeram promessa idêntica à de Fernando Henrique - a oposição poderia até falar em impeachment como argumentação de batalha, mas não chegaria a ele na prática porque acreditava não haver respaldo popular para afastar Lula nem base política na Câmara para aprovar a medida extrema.