Título: Novo embate em torno dos juros
Autor: Oliveira, Ribamar
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/09/2008, Economia, p. B2

Um novo embate está sendo travado, nos bastidores do governo, em torno da política monetária. Com a aproximação da reunião do Copom (Comitê de Política Monetária do Banco Central), marcada para o dia 10 deste mês, aumenta o número de assessores do presidente Lula que sugere mais moderação na administração da taxa de juro, pois a inflação estaria cedendo no Brasil e no mundo.

Uma nova elevação da taxa em 0,75 ponto porcentual, como foi feita na última reunião do Copom, apenas afetaria, na avaliação destes assessores, o nível de atividade econômica, comprometendo a trajetória de crescimento, o nível de emprego e a renda dos trabalhadores. O Banco Central (BC) pensa diferente e está fazendo chegar ao presidente uma análise mais cautelosa a respeito dos últimos dados da inflação.

As divergências foram explicitadas na reunião de economistas de fora do governo com Lula, na semana passada. Dela participaram o ministro da Fazenda, Guido Mantega, o presidente do BC, Henrique Meirelles, o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, o senador Aloizio Mercadante (PT-SP), o representante do Brasil no Fundo Monetário Internacional (FMI), Paulo Nogueira Batista Júnior, e os economistas Delfim Netto e Luiz Gonzaga Belluzzo.

Delfim mostrou a Lula que bastou os preços das commodities agrícolas e do petróleo caírem no mercado internacional para que a inflação no Brasil desabasse. A inflação caiu tanto que o Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M) apresentou deflação de 0,12% na segunda medição de agosto. Com essa constatação, Delfim quis reforçar a análise de que não se pode atribuir o atual surto inflacionário no Brasil a um excesso de demanda. Ao contrário da tese do BC.

Com a redução dos preços das commodities agrícolas, metálicas e do preço do petróleo, a inflação está cedendo em todo o mundo. Esse movimento de queda de preços parece ser sustentável pois as economias da Europa e do Japão dão sinais de desaceleração, enquanto a economia dos Estados Unidos patina em sua crise de crédito. A reunião do presidente com os economistas de fora do governo foi realizada antes do anúncio de que a economia americana apresentou o surpreendente crescimento de 3,3% no segundo trimestre deste ano.

Depois da reunião, o ministro Guido Mantega concedeu várias entrevistas em que reforçava a idéia de que a inflação está cedendo no Brasil e no mundo, embora ele tenha dito que ela ainda inspira cuidados. O economista Paulo Nogueira Batista Júnior publicou artigo na Folha de S. Paulo questionando a tese do excesso de demanda na economia brasileira. Os argumentos apresentados pelo presidente do BC, durante a reunião, não vazaram para a imprensa. Ele certamente não deve ter ficado calado durante toda a reunião com Lula.

Meirelles aproveitou uma aula magna para alunos da Faculdade de Engenharia da Universidade Mackenzie, na sexta-feira, para apresentar os seus argumentos. A tese básica de Meirelles é que a existência de fatores domésticos e internacionais torna mais difícil a análise da inflação.

Segundo ele, a demanda está muito aquecida no front interno. Ao mesmo tempo, na frente externa, ocorre uma alta dos preços das commodities e do petróleo, motivada, principalmente, pela demanda da China e da Índia. Uma queda dos preços internacionais das commodities, registrada nas últimas semanas, não significa que o outro fator - a demanda interna - esteja sob controle.

Na aula magna, Meirelles sugeriu ainda que os analistas trabalhem com os núcleos da inflação e não apenas com o índice cheio. Embora o índice cheio da inflação apresente queda, o núcleo por exclusão de alimentos no domicílio e dos preços administrados ainda está correndo em ritmo acelerado. Nos últimos doze meses, o núcleo por exclusão está variando entre 5,7% e 5,8%, mas pela média móvel dos últimos seis meses, a variação está acima de 6%.

Ao sugerir que se olhe os núcleos e não o índice cheio, Meirelles parece indicar que o movimento de queda dos preços das commodities pode não se sustentar a médio prazo. A verdade é que não há consenso sobre isso. É possível encontrar especialistas que apostam na continuidade da queda dos preços, como aqueles que garantem ser inevitável nova rodada de elevação, com o preço do petróleo podendo chegar, no médio prazo, a US$ 150.

Para os técnicos do Banco Central, não há dúvida de que o excesso de demanda é um componente fundamental do atual surto inflacionário. Eles lembram que o setor de serviços está crescendo acima de 7%, o que é um indicador do aquecimento da demanda. Argumentam ainda que um crescimento da economia de 5,8% ao ano e da demanda doméstica de 8,5% não é sustentável.

É bom lembrar que não há discordância entre o Ministério da Fazenda e o Banco Central sobre essa questão. Ambos consideram que o crescimento da demanda deve ser reduzido dos 8,5% do final de 2007 para 6%. A divergência é sobre o ritmo dessa redução. O BC trabalha com essa queda para 2009 e modula sua política monetária para isso. A Fazenda gostaria que essa redução ocorresse até 2010. Em outras palavras, o BC quer convergir a inflação para o centro da meta de 4,5% no próximo ano e a Fazenda, em 2010.