Título: Executivos sugerem varas de arbitragem
Autor: Pereira, Renée
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/08/2008, Economia, p. B4
Nova instância serviria para resolver contestações de atos das agências
Renée Pereira
Uma das alternativas para conter a escalada do número de ações e execuções judiciais contra as agências reguladoras seria a criação de instâncias superiores de conciliação e arbitragem. Essa tem sido a sugestão de especialistas e até de alguns diretores dos órgãos reguladores, mas não consta da última versão do projeto de lei que criará um novo marco regulatório para as autarquias.
Na avaliação do presidente da Abdib, Paulo Godoy, o atual momento de fragilidade exige uma ampla reflexão sobre o segundo ciclo de funcionamento das agências para evitar um esvaziamento ainda maior. "Elas foram constituídas em diferentes fases e hoje atuam de forma distinta, dependendo dos ministérios a que estão ligadas e da postura de seus diretores", afirma o executivo.
Em 2004, um estudo do americano Ashley C. Brown, diretor-executivo do Harvard Eletricity Policy Group of Council, patrocinado pelo Banco Mundial (Bird), já mostrava o risco que as agências corriam diante da possibilidade de uma enxurrada de ações judiciais, lembra o diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Jerson Kelman. Segundo ele, na época, o americano alertava que isso seria um desastre para a atuação dos órgãos e sugeria a criação de varas especializadas em regulação econômica para contornar o problema.
"Talvez essa fosse mesmo a melhor saída, porque num tema delicado e complexo como revisões tarifárias, por exemplo, não seria razoável um juiz de primeira instância entender de tudo para dar uma decisão justa", destaca Kelman. Segundo ele, em casos como esses, os tribunais sempre estão mais propensos a dar ganho de causa ao lado mais fraco.
Outro defensor de uma instância para mediar os conflitos é o presidente da Associação Brasileira dos Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), Luiz Carlos Guimarães. A entidade tem duas ações na Justiça contra a Aneel. Uma contesta a base de remuneração da revisão tarifária das empresas do setor, que ocorre de quatro em quatro anos.
A outra pede que a conta do apagão, criada para cobrir os prejuízos do racionamento, em 2001, seja estendida aos consumidores livres, que compram energia sem intermediação das concessionárias. "Hoje, da maneira como as agências funcionam, não há alternativa a não ser entrar na Justiça para reivindicar nossos direitos", diz Guimarães.
PROJETO DE LEI
Na opinião do deputado federal Leonardo Picciani (PMDB-RJ), relator do projeto de lei dos reguladores, o número de ações cresce na medida em que as agências perdem credibilidade no mercado. Mas criar uma instância superior não seria a melhor solução.
Por esse motivo, diz ele, esse instrumento não consta do projeto de lei, que somente deverá ser posto para votação depois do primeiro turno da eleições municipais, em outubro. "Decidimos em reunião na semana passada que esse não é momento para aprovar um projeto polêmico como o das agências."
O conjunto de medidas, que está há mais de 4 anos no Congresso, estabelece mandatos de 4 anos para os diretores, sem renovação, e exige experiência no setor. Além disso, confirmará a necessidade de quatro diretores em cada autarquia. Picciani diz ainda que a criação da figura do ouvidor está mantida na versão atual do projeto de lei. Esse profissional será indicado pelo presidente da República e sabatinado pelo Congresso. Por outro lado, a polêmica proposta de criar um contrato de gestão para as agências foi retirado para que o projeto fosse adiante, diz o deputado.
Ele, no entanto, defende o estabelecimento de um mecanismo para medir a qualidade dos serviços dos reguladores. "Sou favorável ao fortalecimento das agências, mas elas precisam prestar contas do que fazem", diz Picciani.
Para o presidente da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), Ricardo Lima, é preciso um "choque de gestão nas agências". Ele acabou de entrar, no dia 20, com uma ação na Justiça contra a Aneel.
Como no caso da Abradee, a entidade também exige que a cobrança de um encargo, criado para manter a segurança do sistema elétrico, seja para todos os participantes do setor, não apenas para os consumidores livres e cativos das distribuidoras. É preciso ter isonomia, garante ele, que lamenta o enfraquecimento das agências nos últimos anos.
O presidente da Associação Brasileira das Agências Reguladoras (Abar), Wanderlino Teixeira de Carvalho, discorda. Para ele, a escalada das ações na Justiça é um direito da população, não significa que essas autarquias estão fortes ou fracas. "Essa prerrogativa está prevista na Constituição Federal. Se a decisão não atende às expectativas, pode-se recorrer."
Carvalho diz que o grande problema é que se esperava que as agências no Brasil funcionassem como nos Estados Unidos. "Lá, a decisão do regulador não pode ser contestada. Aqui, para isso ocorrer, só mudando a Constituição."