Título: A consolidação previsível
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Fonte: O Estado de São Paulo, 05/09/2008, Notas e Informações, p. A3

Na fase auspiciosa vivida pelo setor da construção civil - com demanda final expressiva, crédito em expansão para os mutuários e interesse de investidores internacionais - era previsível que surgissem fusões e aquisições no segmento, pois as construtoras e incorporadoras brasileiras necessitam de muitos recursos e já não é fácil obtê-los com emissão de ações, como em anos recentes, nem existe grande disponibilidade de crédito a custo módico, para capital de giro.

Em 2007 foram feitas em Bolsa mais de 20 ofertas públicas de ações ou IPOs (ofertas iniciais) de construtoras, incorporadoras e administradoras de shoppings centers, num total de R$ 11,7 bilhões. Mas os primeiros sinais de consolidação já surgiam, com a aquisição da construtora HM pela Camargo Corrêa e da construtora Setin pela Klabin Segall. Neste ano, quando o acesso à capitalização em Bolsa se tornou problemático, já foram realizadas duas grandes operações de consolidação, com a incorporação da Agra pela construtora Cyrela e, agora, com a assunção, pela Gafisa, do controle da Tenda, especializada em imóveis populares.

Os exemplos variam, mas resultam de um mesmo desafio: o crescimento rápido demais e a dificuldade de acompanhá-lo. O setor da construção civil opera com prazos longos, que vão desde a compra de terrenos, preparação do projeto, aprovação dos órgãos públicos e, só então, transcorridos dois a três anos, as obras entram em execução. Sem uma sólida estrutura de capital, qualquer imprevisto pode ser fatal. É o caso da aquisição maciça de terrenos, sem a disponibilidade de recursos para a construção de imóveis em grande escala. Ou a lentidão das vendas. A história do setor registra casos da construção de enormes conjuntos de edifícios, como o Portal do Morumbi ou o Ilha do Sul, que resultaram, respectivamente, na quebra da construtora Alfredo Mathias e no aperto de liquidez da Albuquerque Takaoka.

Hoje, a atratividade do mercado brasileiro desperta o interesse de investidores norte-americanos, como o empresário Sam Zell, controlador da BR Properties, de grupos internacionais como Cushman & Wakefield, Colliers, CB Richard Ellis, Jones Lang LaSalle e Binswanger. Reportagem do jornal El País, de Madri, de segunda-feira, mostrou que investidores europeus consideram que a América Latina é hoje a região mais atrativa para investimentos imobiliários no mundo. A explicação é que a economia da região cresceu nos últimos cinco anos, mas os preços dos imóveis continuaram relativamente baixos, a mão-de-obra é barata, há condições favoráveis de financiamento imobiliário, um sistema bancário bem organizado e, sobretudo, uma grande demanda insatisfeita. É o contrário do que ocorre na União Européia, onde a atividade da construção civil caiu 3,2% no último trimestre, liderada pela Alemanha (-8,1%) e pela Espanha (-6,2%).

Um relatório do banco espanhol BBVA mostrou que em cidades como Buenos Aires, Santiago, Bogotá e Rio de Janeiro a demanda por residências e escritórios cresce acima de dois dígitos, enquanto o segmento da construção ainda tem peso relativamente baixo no PIB - isto é, há espaço para crescer. E, segundo estudo da Comissão Econômica para a América Latina, o Brasil e o México são os melhores exemplos de países onde os investidores se beneficiam dos projetos de infra-estrutura e dos estímulos oficiais à construção de moradias.

A consolidação empresarial do setor, no Brasil, não significa um retrocesso, mas a confirmação de uma tendência já verificada em outras áreas, como bancos, siderurgia, mineração e supermercados, sempre que as exigências de capital se tornam substanciais ou falta estrutura empresarial para disputar um mercado mais competitivo.

O segmento da construção civil, no País, habituou-se a oferecer imóveis para a classe média e a classe alta, mas agora a demanda está se deslocando para a faixa baixa. Nesta faixa, as margens são menores e as necessidades de capital e know-how, muito maiores. E as empresas locais terão, agora, de competir diretamente com as estrangeiras de porte internacional.