Título: Controle do grampo
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Fonte: O Estado de São Paulo, 11/09/2008, Notas e Informações, p. A3

A revelação da escuta clandestina de uma conversa telefônica do presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, acaba de produzir uma primeira conseqüência alentadora no plano institucional. O impacto do ultraje divulgado neutralizou as resistências no interior do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão de controle do Judiciário, à iniciativa de disciplinar, mediante regras estritas, o chamado grampo legal - a quebra do sigilo telefônico de pessoas sob investigação autorizada por juízes a pedido dos condutores dos inquéritos. Já não era sem tempo. Se o Brasil se transformou numa grampolândia, isso não se deve apenas à escandalosa desenvoltura com que arapongas, a serviço dos mais variados interesses, no aparelho do Estado ou no âmbito particular, devassam a intimidade alheia no conforto da impunidade.

O descalabro se deve também à trivialização das interceptações judiciais - mais de 400 mil só no ano passado. Não devem ser raros os casos de autorizações concedidas com reprovável ligeireza a delegados de polícia que as solicitam no início mesmo de uma investigação, torcendo para que o grampo as justifiquem. A profusão das escutas, naturalmente, favorece a indústria do vazamento - fechando o círculo vicioso em que o ilícito complementa o uso abusivo de um recurso legal. Havia quem se resignasse a isso em nome da independência da magistratura no exercício de suas atribuições. Na realidade, como disse o ministro Gilmar Mendes na sessão em que o CNJ enfim aprovou, por 12 votos a 1, as regras destinadas a disciplinar os procedimentos nas quebras de sigilo, ¿trata-se de realizar esse trabalho dentro dos moldes necessários de controle e com a possibilidade de responsabilização (dos vazadores)¿.

Com esse objetivo, a resolução do CNJ determina que, ao autorizar uma escuta, o juiz cite na decisão, entre outros, o nome do solicitante e de todos os demais que terão acesso às gravações, os titulares e os números das linhas a serem grampeadas - proibindo explicitamente a interceptação de outros números - e o prazo da escuta. Pedidos de prorrogação deverão trazer a íntegra dos áudios, o transcrito dos diálogos relevantes, de preferência protegidos por senhas, e um relatório sobre o estado da investigação. Tais os cuidados com os vazamentos que, pela resolução, os pedidos deverão ser encaminhados sempre em envelope lacrado, que só o juiz poderá abrir. Não menos importante é a norma que obriga os juízes a informar mensalmente às corregedorias de seus tribunais o número de escutas por eles autorizadas e dos ofícios encaminhados às operadores de telefonia.

Os corregedores repassarão as informações ao CNJ, que poderá formar assim um banco de dados com o total das interceptações em curso a cada período e com os nomes, um a um, dos juízes que as autorizaram. Se um deles chamar a atenção pelo número de deferimentos, o Conselho pedirá à respectiva corregedoria que investigue o aparente excesso. O controle estatístico permitirá ¿verificar eventuais desvios ou tendências¿, diz Gilmar Mendes. Por exemplo, o das sucessivas prorrogações do prazo das escutas, sem suficiente fundamentação jurídica. Foi o que levou anteontem o Superior Tribunal de Justiça à decisão inédita de anular escutas telefônicas feitas pela Polícia Federal que duraram ao todo 2 anos, 1 mês e 12 dias, numa investigação de fraude fiscal envolvendo dois empresários gaúchos. ¿Dois anos é devassar a vida da pessoa de maneira indescritível¿, observou o ministro Paulo Gallotti.

Pela lei atual, o grampo é restrito a 15 dias, mas não há limite para as renovações. Um projeto em tramitação no Senado fala em 60 dias prorrogáveis por até 1 ano. Em cada fase, o prazo é maior, porém a duração total tem um teto. O texto manda os responsáveis pelo inquérito submeter ao juiz, ao final de cada período, as gravações efetuadas para que verifique se elas não extrapolaram da autorização. O projeto e a resolução do CNJ podem divergir aqui e ali, mas a intenção que os anima é a mesma. Deriva do princípio de que as leis se destinam em primeiro lugar a proteger o cidadão contra os abusos do Estado - e não o contrário.