Título: Líder entendeu mal a voz das urnas, dizem analistas
Autor: Miranda, Renata
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/09/2008, Internacional, p. A16

Evo não teria compreendido que referendo também legitimou governadores de oposição

O impasse entre oposição e governo divide a Bolívia em dois países distintos. De um lado, quatro dos nove departamentos (Estados) bolivianos que exigem autonomia. De outro, o governo do presidente Evo Morales que clama pela unidade nacional. A solução para o confronto parece longe.

¿Não há datas nem prazos para resolver o problema¿, afirmou o cientista político Carlos Toranzo, coordenador de projetos da Fundação Friedrich Ebert, em La Paz. ¿Enquanto os dois lados não derem início a um diálogo aberto e sincero, a situação tende a piorar.¿

Toranzo afirma que os protestos se radicalizaram após o referendo revogatório de 10 de agosto. ¿Após o resultado da ratificação dos líderes no poder, o governo de La Paz foi legitimado, mas ao mesmo tempo, os autonomistas também¿, disse o analista. ¿Evo, do alto de sua votação de 67% no referendo revogatório, parece não ter entendido bem a natureza desse resultado e o viu como um sinal verde para seguir em frente com seu projeto hegemônico e decidiu convocar a votação para a nova Carta boliviana.¿

Na sexta-feira, Evo convidou os governadores das regiões opositoras de Santa Cruz, Beni, Pando e Tarija para negociar o fim da crise institucional que toma conta do país. Mas segundo Toranzo, Evo já fez outras convocações que não foram bem-sucedidas. ¿Outras vezes, o presidente mostrou-se disposto a dialogar, mas apenas para obter uma repercussão positiva na imprensa nacional e internacional¿, disse. ¿Se os dois lados não atenuarem as exigências, uma solução é pouco provável.¿

O analista político Marco Antonio Fernández explica que as duas partes têm visões diferentes e projetos distintos para o desenvolvimento do país. ¿Tanto governo quanto oposição agem como fundamentalistas. Aparentemente, nenhum dos dois lados se dispõe a entender a questão social na Bolívia para chegar a um consenso.¿

A oposição é contra o projeto da nova Constituição promovido por Evo, à qual qualifica de ¿ditatorial¿ por ter sido aprovada de maneira unilateral por deputados do partido governista, em sessão extraordinária e em um quartel no ano passado. Ela também quer o reconhecimento das autonomias regionais.

Para Fernández, a crise do país vai além do tema da autonomia: ¿A questão do limite para os latifúndios também é parte do problema.¿ Os bolivianos também deverão determinar no dia do referendo se as propriedades rurais terão de se limitar a 5 mil ou 10 mil hectares.

Para os analistas, o principal prejudicado com o confronto será o próprio Evo. ¿Nos últimos dias ficou provado que o Estado é incapaz de organizar-se¿, disse Toranzo. ¿Evo sai politicamente debilitado e com poucas chances de se recuperar do desgaste.¿