Título: Países pobres aumentam gasto com receita volátil do petróleo, diz FMI
Autor: Gobetti, Sérgio
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/09/2008, Economia, p. B4

Sem a arrecadação gerada pelo óleo, 31 países analisados pelo Fundo teriam déficit fiscal de 37,5% do PIB

Sérgio Gobetti

Estudo do Fundo Monetário Internacional (FMI) ao qual o Estado teve acesso mostra que o recente boom no preço do petróleo está financiando a ampliação dos gastos públicos de grande parte dos países produtores e exportadores. O levantamento, assinado por quatro economistas, como Paulo Medas, representante do FMI no Brasil, indica que cerca de 50% das receitas adicionais obtidas por esses países foram usadas para ampliar o déficit do ¿orçamento sem petróleo¿ ou reduzir outras receitas tributárias.

Em média, o déficit primário desses países (excluindo receitas do petróleo) cresceu de 26% do Produto Interno Bruto (PIB) em 1999 para 37,5% em 2005. Quando as receitas de petróleo entram na conta, os países apresentam superávit (3,5% do PIB em 1999 e 12% em 2005), o que mostra quão expressivo foi o aumento de receita no período. ¿Entretanto, o tamanho do boom do petróleo e as respostas fiscais variaram substancialmente de país para país¿, dizem os pesquisadores.

Na Indonésia, Sudão e Síria, as despesas cresceram acima do PIB e mais que as próprias receitas do petróleo. Já em Camarões, Congo, Gabão, Kuwait e Emirados Árabes os gastos caíram em proporção do PIB.

As despesas que mais cresceram foram os investimentos públicos: 19,5% ao ano. Mas as despesas correntes também aumentaram 12% acima da inflação por ano. Em geral, o aumento dos gastos públicos foi maior nos países de menor renda per capita que, segundo os técnicos do FMI, têm menor capacidade institucional.

¿Muitos países que experimentaram um rápido crescimento nos gastos são caracterizados por baixos índices de eficiência governamental¿, dizem os economistas Rolando Ossowski, Maurício Villafuerte, Paulo Medas e Theo Thomas.

O CASO BRASIL

Apesar de o Brasil não figurar no estudo, por ter uma receita do petróleo inferior a 20% da receita pública total, as semelhanças com o comportamento dos produtores de petróleo é enorme. Antes mesmo de extrair óleo do pré-sal, o governo federal tem ampliado as despesas primárias, e não apenas com investimentos. A despesa de pessoal da União deve atingir em 2009 o maior nível desde 1995, em proporção do PIB. Na esfera municipal, já existem 173 municípios que recebem em royalties mais do que arrecadam em impostos próprios. Em muitos, como já mostrou o Estado em outras reportagens, o dinheiro dos royalties é gasto no inchaço da folha de pagamento.

¿Estamos assistindo a uma festa em que se discute o que o governo vai fazer com todo o dinheiro do petróleo antes de ser extraído e apesar de todas as incertezas sobre o preço internacional do petróleo¿, diz o economista Fernando Montero, da Corretora Convenção.

No início da década de 70, o barril do petróleo custava pouco mais de US$ 10 em valores atuais. No auge da crise, em 1980, atingiu US$ 93. Atualmente, portanto, o petróleo é negociado por um preço superior ao topo da série histórica e ninguém sabe se essa situação será mantida permanentemente.

A característica do petróleo, como recurso natural finito e com enorme volatilidade nos preços, é um dos principais motivos pelos quais os economistas aconselham cautela no uso de suas receitas. Países que gastam a maior parte do dinheiro do petróleo e, aparentemente, estão com as contas equilibradas, podem se tornar deficitários do dia para noite. As estimativas do FMI mostram que, se o preço do petróleo tivesse se desviado para baixo em 2005, de acordo com o padrão estatístico, o balanço fiscal dos 31 países analisados teria piorado 10 pontos porcentuais do PIB e metade deles teria déficit.

Por isso, muitos governos têm criado fundos com as receitas advindas da exportação de petróleo - os chamados fundos soberanos. Esses fundos têm duplo objetivo: poupar parte da receita para ser utilizada nos anos de déficit ou queda no preço do petróleo (estabilização fiscal) e guardar parte do dinheiro para as futuras gerações, que viverão quando o país provavelmente não tiver mais petróleo para extrair do subsolo. Com o mesmo espírito, outros países criaram regras para canalizar o dinheiro do petróleo preferencialmente para investimentos, que possibilitam uma maior renda no futuro.