Título: 'A Petrobrás precisa gostar do gás como gosta do petróleo'
Autor: Pereira, Renée
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/09/2008, Economia, p. B5

Executivo diz que é preciso garantia de abastecimento para construir novas usinas térmicas a gás natural

Renée Pereira

Com R$ 3 bilhões em caixa para investir no setor elétrico brasileiro nos próximos três anos, o presidente da Energias de Portugal (EDP), António Mexias, mostrou desconforto com as incertezas no abastecimento do gás natural da Bolívia. De passagem pelo País para conferir os últimos investimentos da subsidiária Energias do Brasil, ele recebeu o Estado na semana passada e contou alguns planos da empresa, que detém ativos na área de distribuição e produção de energia no País.

Segundo o executivo, por falta de alternativas a empresa decidiu investir em três térmicas a carvão. Além do atraso no inventário dos rios, a oferta de gás natural ainda é muito incerta. ¿Estou curioso para saber como será resolvida a questão do gás. Para investir numa térmica, precisamos ter a garantia do combustível.¿ A seguir trechos da entrevista.

Qual a participação da Energias do Brasil na EDP?

A Energias do Brasil representa entre 17% a 18% do valor da EDP. Vamos investir R$ 1 bilhão por ano aqui nos próximos três anos. As áreas principais são hídricas, três térmicas a carvão com o grupo do empresário Eike Batista, e eólica. Essencialmente água e térmicas, porque o peso das térmicas vai aumentar no País.

Por que carvão?

Porque o Brasil precisa de energia e era a única alternativa possível no ano passado. Houve atraso nos inventários dos rios e, portanto, as hídricas só vão entrar em operação em 2012. Até lá é preciso resolver o problema. A segunda opção, depois das hídricas, deveria ser as térmicas a gás, mas o gás não tem tido uma história muito fácil.

Quais as alternativas para aumentar a oferta até 2012?

Abriu-se uma oportunidade muito grande para as energias renováveis, como eólica, biomassa e PCHs, durante esse período de transição até 2012. Há um conjunto grande de investidores interessados. Há também mais possibilidade de licenciamento ambiental. Com grandes hidrelétricas, não se consegue resolver o problema de curto prazo, pois demora 7 ou 8 anos para ser concluída.

Não há interesse nas grandes usinas hidrelétricas?

Focamos em projetos que podemos controlar todo o processo. Dá mais valor aos acionistas focar naquilo que fazemos bem, que é pequena e média hidrelétrica.

Não há escassez de usinas de médio porte?

Nós já identificamos 11 locais de hídricas de médio porte, que estamos estudando e gostaríamos de propor a construção de algumas delas. Em um ano e meio poderemos apresentar alguns projetos em que a viabilidade técnica e ambiental seja adequada. Isso deverá ir a leilão. Mas quem conhece melhor o empreendimento tem vantagem. De qualquer maneira as hídricas são fundamentais para o Brasil. As térmicas terão mais peso nos próximos anos. No curto prazo, as renováveis (PCHs e eólicas) terão papel decisivo. O Brasil tem investimentos programados e contratados de 3 mil MW entre 2011 e 2013. Mas precisa de 4 mil MW novos, sendo 700 MW para 2011; 1.300 MW para 2012; 2.200 MW para 2013. Em termos de potencial, o País tem cerca de 20 mil MW de energia firme de eólica; 3 mil MW de biomassa; e 5 mil MW em projetos de PCHS.

E o gás natural?

Estou curioso para saber como será resolvida a questão do gás natural. Pois o gás tem de fazer parte de uma forma estrutural da solução energética do País. Nós estamos bem posicionados. Temos falado com a Petrobrás e temos opções de dois locais para construção de térmicas. Mas a questão da insegurança do investimento é crítica. A Petrobrás pode se tornar uma líder mundial. Para isso, tem de gostar tanto do gás como gosta do petróleo. E tem condições para isso. As reservas descobertas fazem com que o Brasil tenha ambições de longo prazo para o consumo do gás e também para regaseificar e exportar.

Qual a solução?

Teremos as plantas de regaseificação, uma em Pecém (Ceará) e outra na Baía da Guanabara (Rio). É indispensável que esses terminais sejam concluídos para receber o combustível. Também é preciso estudar maneiras de intercâmbio na região. O Brasil poderia usar mais gás de países vizinhos e exportar energia elétrica produzida a partir das hídricas ou outra fonte. Para isso tem de apostar na infra-estrutura energética que, do ponto de vista de gaseificação, é crítica. Além disso, tem de haver uma noção clara de todos os entendimentos porque você não pode investir numa planta sem ter a certeza de que terá gás para operá-la. Para isso é fundamental a percepção da Petrobrás. Nosso papel é trazer know how. Temos vários investimentos em Portugal e na Espanha. Temos experiência clara nesse setor.

Hoje, qual o melhor lugar para investir em energia elétrica?

A EDP tem hoje claras as suas opções de investimentos: EUA e Brasil. Mas uma das coisas que preocupa aqui, mais do que marco regulatório, é essa complicação jurídica, liminares, retroatividade. Isso representa tempo, dinheiro e risco. Se tivesse de escolher uma área com problemas, diria que seria isso. O Brasil pode ser um líder mundial, mas tem de descomplicar algumas áreas. E a jurídica, sem dúvida, precisa ser mais clara e simples.

É um processo complicado?

Muito complicado, pois as leis são feitas em cima de outras leis e em vez de ficar mais simples fica mais complicada. Mas essa também é uma herança nossa. Portugal deixou alguma burocracia por aqui. Liminar aqui é uma regra, deveria ser uma exceção. A questão da licença ambiental junto com a questão judicial é um pé no freio e outro na embreagem e nenhum no acelerador.