Título: Com mecanização da colheita, bóias-frias vão virar 'olheiros'
Autor: Domingos, João
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/09/2008, Economia, p. B7

Trabalhadores braçais serão aproveitados para detectar eventuais doenças da cana

João Domingos

Numa versão moderna dos bóias-frias que se notabilizaram por se confundir com a paisagem da cana-de-açúcar, desde que o Brasil começou a produzir álcool combustível, no fim dos anos 70, atualmente cerca de 30 trabalhadores manuais limpam o local onde estão plantadas as mudas de cana da Usina Itarumã, uma parceria da Petrobrás e da multinacional japonesa Mitsui com um grupo de produtores brasileiros de Ribeirão Preto (SP). Como a colheita da cana será totalmente mecanizada, eles deverão ser aproveitados, no futuro, em outra função: serão ¿olheiros¿ de possíveis doenças da cana.

Entre os trabalhadores braçais encontra-se o maranhense Francisco Alves dos Santos, de 50 anos, velho conhecido dos canaviais. Nos últimos 10 anos, circulou por São Paulo e esteve na colheita de todas as safras de Poconé, no Mato Grosso. Ele contou que, no período de folga, vai para o bairro pobre de Arapoangas, na cidade-satélite da também pobre Planaltina, em Brasília, para ficar com a família - a mulher e dois filhos, ambos estudando.

Francisco recebe cerca de R$ 1,5 mil por mês na Usina Itarumã. Pela refeição de todo dia paga o valor simbólico de R$ 25 mensais. Dispõe de transporte diário, que o leva até Serranópolis, a cerca de 60 quilômetros, onde pernoita.

PROTEÇÃO

Todos os trabalhadores braçais recebem da usina roupas apropriadas, luvas, óculos, máscaras, botas e proteção para joelhos e pernas. ¿Outro dia, uma cascavel picou duas vezes a proteção para a bota¿, lembrou ele.

Como estava protegido, não correu perigo. ¿Com a enxada, parti a cobra em duas¿, contou. Francisco nasceu em Codó, no Maranhão. Como tantas outras pessoas do mesmo Estado, aprendeu a trabalhar na colheita da cana. Da atividade, fez seu sustento pelos últimos 25 anos.

Carlos José da Silva, de 29 anos, é de Pernambuco. Atua na colheita da cana há pelo menos uma década. Com o surgimento de usinas no sudoeste de Goiás, foi para lá atrás de trabalho. Não retorna a Pernambuco há cinco anos. ¿Não tenho tempo, pois dá para ficar ocupado o ano todo. Até já me casei por aqui¿, segredou Silva.