Título: Ata do Copom deve reforçar temor do BC com a demanda
Autor: Graner, Fabio
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/09/2008, Economia, p. B8

PIB do 2.º trimestre evidenciou forte ritmo do consumo, o que, segundo analistas, pode alimentar a inflação

Fabio Graner

O forte aquecimento da demanda interna revelado nos dados do Produto Interno bruto (PIB) do segundo trimestre reforçou a decisão do Banco Central de subir a taxa básica de juros em 0,75 ponto porcentual. Esse raciocínio vai aparecer na ata do Comitê de Política Monetária (Copom), a ser divulgada na próxima quinta-feira.

Nos últimos documentos, o BC já alertava para o descompasso entre oferta e demanda, que poderia causar alta na inflação. Essa percepção ficou mais evidente a partir da leitura dos dados atualizados do PIB, que evidenciaram uma alta de 8,6% na demanda interna - pelo critério de absorção doméstica, que inclui consumo das famílias e do governo, investimentos e estoques -, enquanto a oferta teve expansão de 6%.

Some-se a isso a visão do BC de que, no ritmo dos últimos trimestres, a economia brasileira estaria avançando significativamente acima de seu potencial, estimado em média pelos analistas entre 4,5% e 5%. Por isso, o banco considera imperiosa a correção desse foco de risco inflacionário. ¿Deve ser visão unânime no BC de que não há alívio no descompasso entre oferta e demanda. O dado do PIB só reforçou o diagnóstico de que está operando acima do potencial¿, disse a economista-chefe do banco ING, Zeina Latif.

Para ela, a divergência nos votos do Copom - três queriam elevação de 0,5 ponto porcentual - está mais na questão das expectativas de inflação, que estão rígidas em 5% para 2009, acima do centro da meta de 4,5%, alvo declarado do BC. Zeina avalia que os três votos dissidentes do Copom acreditam que com uma dosagem menor de juro já seria possível resolver o descompasso e reverter a rigidez das expectativas do mercado.

Destacando o ritmo acima de 8% na absorção doméstica, o economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, acredita que o tom duro da ata do Copom sobre o descompasso entre oferta e demanda deverá ser mantido. Ele ressalta o fato de que a absorção doméstica está crescendo acima de 8%, ritmo duas vezes maior ao verificado em 2004, quando o BC puxou o freio de mão da economia.

Para Vale, a divergência entre os diretores está no impacto da queda das commodities. ¿Votou a favor de 0,75 ponto quem tem um olhar mais áspero para a questão da demanda. Os três que votaram por alta de 0,5 ponto devem estar olhando para as commodities e avaliando que a queda desses produtos vai ajudar a derrubar a inflação e talvez fosse hora de desacelerar o ritmo da Selic.¿

Embora haja um reconhecimento de que a demanda interna precise ser desacelerada, não há consenso no governo sobre a dosagem dos juros que vem sendo adotada pelo BC. A posição conhecida do Ministério da Fazenda é de que a causa número um da inflação é o preço das commodities, que perderam fôlego e estão em queda, puxando para baixo os índices de preços. Por isso, a subida dos juros não precisaria ser tão intensa, na visão do ministro Guido Mantega.

O grupo desenvolvimentista do governo tenta também relativizar o forte crescimento da absorção doméstica, destacando que a valorização cambial deste ano, propiciada pelos juros elevados, impulsionou o consumo das famílias, via importações. Além disso, é generalizada a percepção de que nos próximos meses as medidas já adotadas pelo BC e pela Fazenda no primeiro semestre vão conter o ímpeto da atividade econômica.

Alguns até vêem sinais de que isso já começou a ocorrer, como no desempenho do setor automotivo em agosto. Um raro consenso entre BC e Fazenda é o temor sobre o que ocorrerá com a taxa de câmbio. Por enquanto, a visão é de que a alta do dólar tem sido compensada pela queda nas commodities, sem trazer maiores prejuízos do ponto de vista inflacionário. Mas a trajetória do dólar é uma incógnita, como ficou provado com a disparada da moeda americana na última semana, quando chegou a R$ 1,81.

Até recentemente, o dólar mais barato auxiliava o BC, pois o descompasso entre oferta e demanda interna era complementado com importados. Uma trajetória de alta no câmbio pode dificultar esse processo e a atividade econômica muito forte pode terminar em disparada dos preços internos.