Título: Especialistas apontam extermínio no Rio
Autor: Aranda, Fernanda
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/09/2008, Metrópole, p. C3

No Rio, onde o recrutamento de meninos para o tráfico e o crime organizado ganhou as telas de cinema, em filmes como Cidade de Deus, de Fernando Meirelles, e o documentário Falcão, Meninos do Tráfico, de MV Bill e Celso Athayde, o comércio de drogas não aparece no topo da lista de delitos pelos quais crianças e adolescentes são levados ao Departamento Geral de Ações Socioeducativas (Degase) - equivalente à Fundação Casa paulista. Lesão corporal é o crime de maior incidência entre os internos, levando especialistas que trabalham com violência no Rio a uma conclusão: os meninos envolvidos com tráfico morrem antes de chegar ao sistema formal de Justiça.

Segundo dados do Degase de dezembro, dos 2.608 internos, 435 cumpriam medida socioeducativa por lesão corporal. Em seguida, aparece roubo, com 389 casos. O tráfico vem somente em terceiro lugar, com 384 casos. Entre os internos, 19% têm até 14 anos, dos quais 4% são crianças menores de 12. Os de 15 anos representam 14%, os de 16 são 26% e os de 17, 31%. Os índices de 2007 e 2005 são similares.

A avaliação de que os números não retratam a realidade é consenso entre os especialistas. ¿Sem dúvida, temos percebido aumento no número de meninos envolvidos com o tráfico e a diminuição da faixa etária. Mas essa realidade não se reflete nos números do Degase simplesmente porque esses meninos estão sendo exterminados. Não chegam nem às delegacias, por corrupção ou extermínio. São mortos pela polícia, pelas milícias ou por outros traficantes. No Rio, são raros os adolescentes que escapam do poder paralelo e chegam ao sistema formal de Justiça ¿, desabafa a defensora pública da área da Infância e Juventude do Rio, Simone Moreira.

Para a promotora de Justiça Clisanger Ferreira Gonçalves, subcoordenadora da Infância e Juventude do Ministério Público do Rio, a situação descrita por Simone piorou com o surgimento das milícias, grupos paramilitares, muitas vezes formados por policiais em atividade ou afastados, que passaram a lutar contra traficantes pelo domínio das favelas no Rio. No início, acreditava-se que os grupos formavam uma cruzada contra o tráfico e protegiam moradores, em troca de taxas. Mas uma pesquisa do Laboratório de Análise da Violência da Universidade do Rio (Uerj), divulgada no mês passado, apontou a existência do tráfico em áreas de milícias.

Segundo as especialistas, assim como o tráfico, o fenômeno das milícias se deve a falhas na rede social. ¿Onde o Estado não está presente, o poder paralelo se instala¿, diz Simone.