Título: Sem sonhos, garotos vão para unidade danoninho
Autor: Aranda, Fernanda
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/09/2008, Metrópole, p. C3

Em Franco da Rocha, há quem só tenha como ambição `ganhar 1 DVD¿

Fernanda Aranda, Jornal da Tarde

Nas unidades ¿danoninho¿, apelido dado para os prédios especialmente preparados pela Fundação Casa de São Paulo para receber os mais novos infratores, encontra-se, por exemplo, o garoto de 12 anos, detido em maio, suspeito de assaltar mais de 30 vezes um posto de gasolina no ABC paulista. Em Franco da Rocha, ele só se destaca pela altura, a menor de todas. É apontado também pelos colegas por já ter aparecido na TV, referência feita até com ciúme, uma vez que a criminalidade precoce não é exclusiva do ¿mascote¿.

Nas ¿danoninhos¿, além de curtir a quadra de futebol, esses garotos resgatam parte da ¿meninice¿ nos jogos com bolinha de gude, amarelinha (um dos preferidos), peteca e peão. Brincadeiras que contrastam com os altos muros normalmente protegidos por cercas elétricas para evitar as fugas.

E esse não é o único contraste. As vozes finas que dão tom para gírias e as tatuagens feitas com agulhas e tintas de caneta também evidenciam que os garotos pularam fases da vida. ¿Essa cicatriz na cabeça não foi jogando bola não¿, aponta João, de 12 anos. ¿Foi coronhada (surra com revólver).¿

No ¿mundão¿, nome que dão à vida fora dos muros, eles gostam de brincar nas ruas, torcer para o time do coração e também, confessam com sorrisos, curtir certos ¿baratos¿. Quase sempre nos dias de visita, esperam em vão a chegada dos parentes, como conta Kauê, de 14 anos, que tatuou o nome do irmão caçula, de 8 meses, na perna. Para sua tristeza, a mãe nunca apareceu para apresentar a ele o integrante mais novo da família.

As psicólogas que trabalham no local dizem que um dos principais desafios é fazer os meninos voltarem a sonhar, hábito esquecido pela dureza da realidade. Perguntar a eles ¿qual é seu sonho¿ resulta quase sempre num olhar vago. Nenhum arrisca dizer que quer ser jogador de futebol ou bombeiro.

Sem ambição, um deles só diz que ¿o maior sonho é ter um DVD¿. Depois de um longo silêncio, um dos meninos deu uma resposta esperançosa. ¿Quero virar diretor da Febem para ajudar os moleques da minha idade.¿

VIDROS

Aviõezinhos do tráfico infantil, muitos internos da Fundação afirmam que querem recuperar o fio da esperança perdido na miséria. Mas, quando ganham a liberdade, quase sempre a alternativa é voltar para a população de rua da capital paulista, estimada hoje em 10 mil pessoas, segundo o último censo da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social. Lá, como dizem, ¿os vidros dos carrões de luxo do mundão vão fechar¿ toda a vez que passarem por perto.